terça-feira, março 30, 2004

PÉROLAS A PORCOS - Stephan Pastis



Chamam-lhe arrogante e egoísta («Gosto de espancar pessoas.»), mas o rato no fundo é apenas honesto (talvez demasiado). Estúpido, lento de raciocínio, ou inocente até mais não? Vida de porco não é fácil («Uma sandes de presunto, por favor.»). Para dar mais sabor (?) à coisa ainda temos um bode culto e atormentado, uma zebra obcecada com a difícil convivência com os leões, e mais alguns personagens imaginados por Stephan Pastis, que antes de se dedicar por inteiro aos cartoons exercia advocacia... O que nos dá direito a gozar esta conversa...

Rato: - Quero um emprego onde ganhe uma boa nota, e ainda dê um bom contributo à sociedade.
Porco: - Que tal seres advogado?
Ambos: - EEH EEH OOH!!! IUC IUC IUC!! CHRUMPF!!
Rato: - Não, agora a sério, estava a pensar ser membro da Máfia, ou assim...
Porco: - Eles realmente têm um código de honra...

Pérolas a Porcos, de Stephan Pastis, da Bizâncio, Março 2004 (1ª edição), 128 pág., pvp: 12,50€

E esta, absolutamente deliciosa (não no mau sentido, claro...)

Rato: - Ouvi dizer que as tuas companheiras zebras têm uma forma nova de escapar aos leões.
Zebra: - É, revestem-se de manteiga e tentam deslizar-lhes das garras p'ra fora.
Rato: - E funciona?
Zebra: - Não, mas o sabor melhora imenso.

domingo, março 28, 2004

A LARANJA MECÂNICA - Anthony Burgess

E como foi esse tal tratamento que tira o mal do corpo, Alex?

«Esluchi vozes, diziam pronto pronto pronto assim a uma certa distância, e depois mais perto, e então é que houve um chum, uma espécie de leve zumbido, como se tivessem ligado coisas. E as luzes apagaram-se. E lá estava o Vosso Humilde Narrador e Amigo sozinho, sentado, na escuridão, na sua assustada lidão-ai-dão, sem se poder mexer nem fechar os glezes, nem mais nada. E então, irmãos, começou a sessão de cinema. Começou com música de fundo muito gronca que saía dos altifalantes, muito violenta e desafinada. E depois apareceram as imagens no ecrã, sem título nem genérico. O que apareceu foi uma rua, uma rua qualquer de uma cidade qualquer, e era uma notche realmente escura com os candeeiros públicos todos acesos. Era a modos que uma espécie de bom trabalho de nimas profissional, muito bem feito, sem nada daqueles saltos e emendas que aparecem, por exemplo, quando videamos um desses filmes pornográficos na casa de alguém, numa rua escondida. A música barulhava sempre, assim a modos que sinistra. Videou-se então um velho, vinha a descer a rua, muito estérrico, e aí saltam para cima daquele veco estérrico dois máchicos, vestidos ao rigor da moda desse tempo (ainda eram calças justas, mas já não se usava gravatão era mesmo gravata) e começam a traquinar com ele. Esluchiam-se os gritos e gemidos, tudo realista, até se ouvia a respiração pesada e ofegante dos dois máchicos que o atolchocavam. Fizeram daquele veco estérrico um verdadeiro pudim, batendo craque craque craque com as rucas fechadas, rasgaram-lhe os pletos e acabando depois ao pontapé aquele nagóio (todo vermelho de crove, deitado na grazénica lama da sarjeta), e depois fugiram muito escorre. E veio o grande plano da galiva deste espancado e estérrico veco e via-se escorrer o crove com uma bela cor vermelha. É estranho como as cores do chamado mundo real só parecem realmente reais quando se videiam no ecrã.» pág. 125, 126

Se um jovem não demontra as capacidades para respeitar e ordem e moral vigentes na sociedade, cabe a esta rectificar o mal. E se for possível eliminar o mal por completo, impedir que ele se manifeste e “produzir” um ser humano que só pratique a bondade, porquê pensar duas vezes?

«- Talvez não seja tão maravilhoso ser bom, 6655321zinho! Talvez seja horrível ser bom. E quando te digo isto, compreendo como isto te pode parecer contraditório. Sei que vou passar muitas noites em branco a pensar nisto. Quais os desígnios de Deus? Quererá Ele o Bem, ou a escolha do Bem? Um homem que escolhe o Mal, será por acaso ou de certo modo, melhor do que um homem a quem impõem o Bem?» pág. 117, 118

Questões para Alex tentar responder, se o deixarem escolher, se o corpo permitir, se lhe continuar a apetecer um pouco do velho mete-e-tira ao som de Ludwig van, num futuro de muita paz e oferecer a outra face, ou num mundo esculpido com a briva corta-vozes...

A Laranja Mecânica, de Anthony Burgess (trad. José Luandino Vieira), edição Bibliotex (para o Diário de Notícias), colecção Os Livros do Cinema nº 2, Março 2004, 222 pág., disponível nos quiosques por €4,90 juntamente com o nº 1 (Forrest Gump)

Esta semana, no Mil Folhas

«O humor é uma das principais características dos livros de Steve Jones, um galês especialista em caracóis que tem um ar travesso, como alguém que está sempre a congeminar uma partida, e que não perde uma oportunidade de fazer uma piada. Como a de dizer que o cromossoma Y corre o risco de se extinguir - mas daqui a uns dez milhões de anos, o que não é muito preocupante, quando se pensa que a humanidade tem apenas cerca de 120 mil anos.»
A Gradiva acaba de lançar Y: A Descendência do Homem, de Steve Jones, um livro que andará sempre acompanhado de discussão e polémica. Se quiserem saber como reagem as pessoas quando o autor apresenta a teoria do sexo masculino como parasita (e outras questões associadas), basta ler a entrevista de Clara Barata. Podemos ler também a resposta à pergunta «A Eva genética nunca se encontrou com o Adão genético. Porquê?», e a análise à obra.

«"A aranha ateia diz ao aranho na teia: o nosso amor está por um fio!" Quem assim escreve merece todos os perdões, mesmo que alguma vez tenha errado e sido demasiado subserviente ou até mesmo "esteticamente condenável", como disse um seu confrade que não alinhava no enlevo geral.»
É o novo livro de Mia Couto, edição da Caminho, ou mais uma colecção de contos para nos encantar a todos. O texto de Jorge Heitor.




Uma lista de lançamentos para esta semana, com destaque para As Anotações de Malte Laurids Brigge, de Rainer Maria Rilke e editado pela Relógio d'Água já nesta 2ª feira, na Fnac Chiado, pelas 18h30, com as intervenções de Hélia Correia e Teresa Seruya, e a leitura de excertos da obra por Teresa Lima, do grupo de teatro O Bando.

quinta-feira, março 25, 2004

Argumento Adaptado: HERMAN

«Esta é a história de um cágado chamado Tempo que a maior parte das vezes anda muito lentamente e que, de vez em quando, se esconde, mas é também a história de uma aventura do Zorro cujo fim ficaremos sem saber. É a história de uma velha senhora com formigas nas pernas e de um homem que se alimenta de cerveja, mas é também a história do mais alto guindaste do mundo de cuja cabine se avista a China. É a história de como o mundo se partiu em pedaços e de como, posteriormente, se recompôs. Enfim, esta é a história de Herman.» da contra-capa

Herman é o livro e Herman é o rapaz que se vai sentir diferente, que vai sentir quão difícil é ser-se diferente quando se é criança. Afinal, de quantas maneiras se pode esconder que o nosso cabelo está a cair?
Recentemente traduzido para português (directamente do norueguês) por Inga Gullander, para a editora Cavalo de Ferro, este livro foi originalmente publicado em 1988 e já ganhou vários prémios na Suécia e noutros países nórdicos.

«Agora Herman vê a coisa que se mexe no chão. É um cágado.
- Não tenhas medo. Chama-se Tempo.
(...)
Herman dá mais uns passos para aproximar-se e examina de perto o cabelo de Panten. O cabelo de Panten cresce em todas as direcções e é forte como barbante.
- Tu bebes muita cerveja - diz Herman.
Sério, Panten acena que sim.
- Quase tenho o recorde mundial. Se me dessem a cerveja de que preciso.
Abre mais uma garrafa que acaba da mesma maneira. Herman pensa que quase pode ver o cabelo crescer. O cágado deixa ver a sua cabeça durante um instante e depois retira-a de novo. Panten arrota alto e prolongadamente.
- Eu fico cego na neve - diz. - Não posso sair no Inverno.
- Eu posso ir comprar cerveja para ti - diz Herman imediatamente.
Panten faz um grande sorriso, e não tem nem um único dente para mostrar.
- Assim fala um bom rapaz! Afinal talvez haja um novo recorde mundial este ano. Mas lembra-te de pedir uma folha de alface. Para o Tempo.» pág. 98, 99


Herman, de Lars Saabye Christensen (trad. Inga Gullander), da Cavalo de Ferro, 1ª edição (Fevereiro 2004), 199 pág., pvp: €15,20



Adaptado ao cinema por Erik Gustavson, o filme viria a surgir 2 anos depois da publicação do livro, com Anders Danielsen Lie (nascido no dia de Ano Novo de 1979) a interpretar a personagem principal.

Erik Gustavson tinha-se estreado como realizador em 1986, mas foi Herman que lhe deu maior reconhecimento na Noruega, filme que viria a ganhar 2 prémios Amanda, para melhor filme e melhor argumento. 3 anos mais tarde viria a adaptar um outro livro ao cinema, Telegrafisten, do também escritor norueguês Knut Hamsun.

quarta-feira, março 24, 2004

Feiras do Livro

Por estes dias Lisboa é palco de várias Feiras do Livro, eventos a não perder para quem busca boas promoções e livros que já não se encontram facilmente em livrarias, ou mesmo para ter com eles um contacto mais demorado e informal.

Quase a acabar (é só até à próxima 6ª feira) está a Feira dos livros Cotovia, que está a decorrer na livraria que esta editora tem na Rua Nova da Trindade, nº 24, ali entre o Chiado e o Bairro Alto, muito perto do Teatro da Trindade. Nela podemos encontrar uma grande variedade de títulos da Cotovia com preços a partir de €1,5 e quase todos até aos €5. São livros que apresentam pequenos defeitos nas capas ou vieram um pouco danificados após terem sido devolvidos por livrarias, mas para quem o mais importante é as palavras... Para além destes saldos, todo o catálogo da Cotovia está com desconto, com promoções que variam entre os 10% e os 50%. É de aproveitar, e é só até esta 6ª feira, no horário 10h-13h e 14h-20h.

Também já estamos habituados a que o mercado da Ribeira seja também um mercado de livros, e é há várias semanas que está lá montada mais uma Feira de saldos, com livros a partir de €1, e em que tanto se pode encontrar livros muito antigos como novidades, fundos de catálogo ou livros com pequenos defeitos, infantis ou ensaios literários. Prolongando-se sempre durante várias semanas, prevê-se que encerre (até á próxima vez) no final deste mês. Local amplo e propenso à descoberta de novas velhas obras, dêem um salto à Ribeira e passeiem por esta festa.

Mais 2 feiras irão decorrer, este fim-de-semana, no Forum Telecom, nas Picoas. Como também já é habitual, a Solipa organiza mais uma vez a Feira do Livro Estrangeiro, que atinge agora a sua 8ª edição. Com um grande espaço de exposição, será possível encontrarmos uma imensidão de títulos em inglês, francês e alemão (entre outros), de todos os géneros, para além dos já habituais calendários da Taschen que, dado o adiantado do ano, aqui aparecem em promoção. Em paralelo, e no mesmo local, surge a 1ª Feira do Livro Infantil e Juvenil, que promete a apresentação de novidades e saldos. 6ª e Sábado as portas estarão abertas das 10h às 24h, Domingo abrem às 10h e encerram às 20h. É só neste próximo fim-de-semana!

Não para já, mas com data marcada, está a Feira do Livro de Lisboa, este ano um pouco mais curta e mais cedo do que o habitual. O Parque Eduardo VII recebe a grande festa do livro de 21 de Maio a 6 de Junho.

Boas leituras!

segunda-feira, março 22, 2004

O GATO E O RATO - Günter Grass

"O gato treinava-se. Mahlke dormia ou fingia dormir. Deitado a seu lado eu, com a minha dor de dentes. O gato aproximava-se a fazer o seu footing. A maçã-de-adão de Mahlke era digna de nota; grande, sempre em movimento, projectava uma sombra. Entre mim e Mahlke o gato preto do guarda do estádio agachava-se para preparar o salto. Formávamos um triângulo. O meu dente reduzira-se ao silêncio, deixara de insistir: a maçã de Mahlke metamorfoseara-se, para o gato, num rato. O gato era tão novo, a maçã possuía uma tal mobilidade... o que sei é que o gato atirou um salto ao pescoço de Mahlke; ou então um de nós pegou no gato e pô-lo sobre o pescoço de Mahlke; ou então fui eu, com dor de dentes ou sem ela que agarrei no gato e lhe mostrei o rato de Mahlke: e Joaquim Mahlke deu um grito mas sofreu apenas umas arranhadelas insignificantes." Págs. 5 e 6

"O Gato e o Rato", de Günter Grass, Edição Bibliotex, 2003, para a colecção "Prémio Nobel" do Diário de Notícias. Tradução de Carmen Gonzalez, cedida pela Europa-América. 159 pag.

"Claro que o admirávamos. Mas Mahlke mal dava por isso; ia-se tornando cada vez mais lacónico e não tolerava já que o ajudássemos a transportar as suas trapalhadas." Pág. 66

A história de Mahlke, o Grande. Ou o anti-herói, que fugia o protagonismo que teimava em persegui-lo. Enquanto percorria estas páginas, vinham-me à memória, frequentemente, imagens do filme "Führer ex", de Winfried Bonengel, que há bem pouco tempo passou, com o Festival de Cinema Alemão, em Lisboa. Günter Grass passa do confuso ao arrebatador com uma velocidade impressionante. Sem dúvida um escritor a repetir.

"Foi ele também que me encorajou a contar a história do gato e do rato: «Sente-se descansado, meu caro Pilenz, e escreva como lhe vier à cabeça. Você dispõe, por muito kafkianas que tivessem parecido as suas primeiras experiências poéticas e as suas novelas, de um estilo pessoal: aprenda violino ou liberte-se pela escrita - não foi gratuitamente que o Senhor lhe deu telento»." Pag. 113

sexta-feira, março 19, 2004

Notícias pilha-livros

- O grito de uma mãe que assiste à morte de um filho dá início aos monólogos dos dois actores em cena na peça "Vagabundos de Nós", que estreou esta quinta-feira no Teatro Maria Matos, em Lisboa, com dramaturgia de Daniel Sampaio e encenação de Luís Osório. notícia completa na RTP.

- A 24ª edição do Salão do Livro de Paris arrancou ontem em França. A presença nacional será assegurada pelos autores Pedro Tamen, Fernando Echevarría e Manuel António Pina no sábado. notícia completa no Diário Digital.

- O poeta Vasco Graça Moura foi proclamado esta quinta-feira em Paris vencedor da Coroa de Ouro do Festival de Poesia de Struga (Macedónia).
A proclamação decorreu no âmbito de uma homenagem da UNESCO ao poeta chileno Pablo Neruda e que incluiu um concerto pela fadista portuguesa Mísia, o chileno Ángel Parra e o espanhol Paco Ibañez. notícia da Agência Lusa.

quinta-feira, março 18, 2004

Argumento Adaptado: Os livros do Cinema - Biblioteca DNa

Publicado apenas hoje, dia aqui reservado à comunhão entre os livros e o cinema, a notícia de hoje vem, de facto, com 2 dias de atraso. Isto porque foi na passada 3ª feira que o Diário de Notícias iniciou mais uma colecção de livros de distribuição conjunta com os jornais, a que foi dado o nome de "Os livros do Cinema", intregrada na "Biblioteca DNa". Esta tendência (ou moda), apesar de a colecção do Público já estar com data marcada para terminar, parece assim não dar sinais de esmorecer, e surge agora numa faceta que muito diz a este blog...

Como também já é habitual nestas colecções, para despertar o interesse do consumidor e leitor, a primeira distribuição traz dois volumes pelo preço de um: coube a "Forrest Gump", escrito por Winston Groom e editado originalmente em 1986, a honra de inaugurar Os livros do Cinema, que acabou por calhar também ao delirante "A Laranja Mecânica" ("A Clockwork Orange"), de Anthony Burgess, publicado pela primeira vez em 1962.

Já num "Argumento Adaptado" anterior tinha sido feita referência a "A Laranja Mecânica", na altura a propósito duma antologia de cinema dos anos 70, e é de facto esta obra que me suscita mais interesse:

«Alex, um adolescente de quinze anos, personagem deste romance, inicia com os seus três amigos, uma das suas peregrinações nocturnas com a agressão de um velho a quem rasgam os livros que leva e a quem despojam de vestuário e dinheiro.
Ou, de outro modo: Alex e os seus três drucos, atolchocam um veco estérrico, razesgam-lhe os livros, deixam-no nagoio, sem pleios, e crastam-lhe um malenque do seu denque...
Porque a confissão de Alex - tema deste romance - é feita em «nadescente», a linguagem dos adolescentes de um futuro não muito distante.» pág. 5

E é neste zigue-zaguear entre a história e o glossário no final do livro que as primeiras páginas se vão devorando. Mas à medida que a leitura vai avançando, a gíria e o calão vão-se tornando familiares, ao ponto de acharmos estranho a utilização de palavras como "velho" ou "dinheiro"...

Em 1971, A Laranja Mecânica chegou ao cinema pela mão de Stanley Kubrick (quem mais o poderia fazer?), com a contribuição preciosa de outros dois senhores: Malcolm McDowell absorve a personagem e dá-nos um Alex talvez ainda mais psicótico que o imaginado pelo autor; Walter Carlos, que desde muito cedo explorou as relações entre música e tecnologia científica, desenvolveu no final dos anos 60 um sintetizador especial no qual viria a interpretar as peças clássicas (Beethoven, Rossini) que viriam a fazer parte da banda sonora deste filme.

O resultado é uma experiência alucinante que fica como um dos grandes filmes da minha vida, que me mostrava ser impossível viajar ao mundo de Stanley Kubrick sem que este nos afectasse, para o bem ou para o mal.

quarta-feira, março 17, 2004

Edições Asa - Preço Azul ou preços baixos todo o ano

Já há algum tempo que a Asa nos tinha habituado a ter promoções permanentes nas suas lojas, em que era possível encontrar obras menos procuradas do público, ou simplesmente uns quantos títulos duma dada colecção (a Pequenos Prazeres e a Finisterra, por exemplo), a preços mais baixos. Surge agora o "oficializar" dessa política, através da campanha "Preço Azul".

Esta medida vai alargar a política de reduções a todas as colecções da editora, com descontos significativos em todas as obras abrangidas por esta promoção. Por exemplo, o livro A Morte de um Apicultor, já aqui falado no pilha, tem um preço de capa de €8,50 e custará agora apenas €1,50.

Só para dar mais 2 exemplos, Histórias do Mar, colectânea de contos com a participação de Luis Sepúlveda, Rosa Montero e Antonio Sarabia, passa de €11,50 para €3,50, e A Senhora Smilla e a Sua Especial Percepção da Neve, de Peter Høeg, passa de €15 para €7,50.
Com distribuição prevista para todas as livrarias, esta nova campanha trará benefícios mais visíveis para a própria editora (para além dos leitores, claro está), e será nas suas livrarias que mais facilmente se poderão encontrar. Por esta e por todas as razões, boas leituras :)

terça-feira, março 16, 2004

RESPONDE-ME - Susanna Tamaro



Colecção: Grandes Narrativas
Preço c/iva: €12,47
Nº de Páginas: 175

Sinopse: Constituído por três histórias, encena viragens dramáticas, e de certa forma fundamentais, na vida de cada homem ou mulher em busca de um sentido para a existência. Entre as personagens, muitas são crianças expostas a condições de grande violência e abandono, e em todas transparece um desespero extremo, mas também um extraordinário sentido de responsabilidade perante o facto de estar vivo. Existe aqui um fio condutor, uma continuidade, que permite à autora explorar os abismos sombrios e os cumes luminosos da natureza humana. E ela fá-lo sem medo, sem contemplações, extraindo deles uma formidável energia que pode ser pura destruição, mas que Tamaro, quase alquimicamente, transforma em energia amorosa e criadora.

Agenda 16 de Março

Apresentação do novo livro de Mia Couto, O Fio das Missangas. Colecção de 29 contos, acabada de chegar às livrarias, a preço simpático, como a Caminho já nos habituou. A sessão decorre a partir das 18 horas, na RDP África, em Lisboa.

segunda-feira, março 15, 2004

A ÚLTIMA CONVERSA - Agostinho da Silva

A última entrevista que Agostinho da Silva deu foi no dia 9 de Outubro de 1993, a Luís Machado, que mais tarde a transpôs para livro. Uns meses depois, no Domingo de Páscoa de 1994, falecia essa personagem tão peculiar da identidade portuguesa, deixando-nos um imenso legado de livros, depoimentos, reflexões, histórias.
Esta conversa pode servir para termos um contacto mais pessoal com a sua vida e algumas das suas ideias, como porta de entrada para a sua vasta obra.
Para começarmos bem a semana, deixo a transcrição de uma das suas histórias, e este apontamento irresistível:

«LM - Portanto, isso quer dizer que, no fundo, o seu jornal preferido é mesmo o Público?
AS - É o Público, mas sobretudo é por causa do Calvin.» pág. 109


A Última Conversa, Agostinho da Silva entrevistado por Luís Machado, da Editorial Notícias, 9ª edição (Setembro de 2002; 1ª ed.: Maio de 1995), 125 pág., pvp: 8,73 €


«LM - Portanto, recapitulando o seu percurso: nasce no Porto, vai para Barca de Alva, volta ao Porto e depois vem para Lisboa. Não foi bem assim, porque a faculdade também a fez no Porto. É isso, não é?

AS - Sim, em Lisboa, o que fiz foi a Escola Normal Superior.

LM - Escola Normal Superior?

AS - É porque para entrar como professor efectivo nos liceus era necessário esse curso. Mas entretanto estive para não ir para o liceu, porque apareceu um concurso para professor de Belas-Artes. Aliás, cheguei a inscrever-me no concurso, porque se ficasse com o lugar, em vez de trabalhar toda a semana no liceu, passava a trabalhar apenas três horas por semana nas Belas-Artes. Bom, já depois de me inscrever encontro na rua um homem que não fazia outra coisa senão estudar história, sobretudo a história da 2ª Grande Guerra. Como não tinha emprego, vivia, estudava e trabalhava no café.
Começámos a conversar e ele disse-me que tencionava inscrever-se nesse concurso. Então respondi-lhe:
«- Ó homem, mas se você quer ir para lá, eu saio!»
E nessa mesma tarde fui lá e «desinscrevi-me.»
Algum tempo depois tive conhecimento que o grande filósofo Vieira de Almeida, um excelente professor da Faculdade de Letras, também se tinha inscrito nesse concurso para a Escola de Belas-Artes. Repare que o Vieira de Almeida era mesmo uma pessoa respeitabilíssima. Não sei se foi por isso ou por outra coisa, o certo é que decidi inscrever-me de novo. Quando voltei lá, o chefe de secretaria reconheceu-me e disse-me, furioso:
«- Outra vez!? Outra vez!? Você anda a brincar...»
«- Pois é, decidi voltar a inscrever-me.»
Para aquele concurso, era preciso redigir uma tese e apresentá-la impressa, portanto aquilo foi mesmo escrever de corrida, ir para a tipografia, voltar lá para corrigir as provas! Mas lá me chamaram para o exame e o primeiro professor a interrogar-me foi o Agostinho Fortes. Recordo-me que a sala tinha muita gente e que na assistência se encontrava o marido da Maria Keil, o arquitecto Keil do Amaral, que gostava muito de assistir aos exames.
Mas voltando ao exame: o Agostinho Fortes pegou então na minha tese e disse com um ar professorial:
«- Ora temos então aqui uma tese sobre um poeta pérsio ou latino que ninguém conhece. É curioso, sabe, mas olhe que não se percebe nada da sua pontuação, está tudo “barafustado”.»
«- O senhor professor dá-me licença?»
E ele disse:
«- Com certeza!»
«- Já sei que é um velho costume seu: quando o senhor não sabe das coisas, pega pela pontuação. Veja lá se hoje passa a outra coisa mais concreta, porque isso não adianta nada.»
Bom, como deve calcular, o efeito de uma resposta destas, para além de pôr a rir a assistência, «liquidou» o nosso amigo. O outro examinador era o perito, o homem que sabia muito de oceanos e dessas coisas.
Na véspera de eu ir lá (nessa altura vivia numa pensão, porque não tinha casa em Lisboa), estava no meu quarto quando um colega entrou e me disse:
«- Você por acaso já viu essa história do mar, das correntes? Olhe que eles agora andam a perguntar muito isso.»
Respondi-lhe:
«- Olhe, por acaso, esqueci-me completamente dessa matéria, mas mais logo vou ver se ainda consigo ver alguma coisa.»
Naquela noite estudei portanto as correntes, para o caso de aparecer alguma pergunta...
Mas então o tal professor chega lá e diz-me:
«- Quero saber o que é que o senhor sabe da corrente que vem do México e atravessa todo o Atlântico para chegar até aqui, às nossas costas. Descreva-me esse percurso.»
Bem, então eu lá descrevi, sem grandes hesitações, porque estava tudo ainda muito fresco, tinha aprendido na véspera. E o homem disse:
«- Mas ela aqui divide-se, o senhor não falou nisso!»
«- Mas divide-se como?», retorqui eu.
«- Há uma que passa mais abaixo da costa...», e tal, tal e tal... E eu então respondi-lhe:
«- Mas quais são os pontos por onde a outra passa, o senhor sabe?»
«- É indeciso.»
«- Pois é, então não vale a pena estarmos a falar de coisas indecisas, porque creio que estamos aqui é para falar de ciência. Ou o senhor sabe por onde é que passa a corrente, ou não sabe, mas por favor não complique mais a nossa vida.»
Escusado será dizer que a minha prova acabou logo ali. Quem ficou?, vai decerto perguntar-me você. O rapaz do café... No fundo, era o que eu queria. Eles não tiveram coragem de nomear o Vieira de Almeida, que, por acaso, também não fez grande figura no concurso, e a mim nem por sombras me queriam ver lá dentro, tomaram eles que eu desaparecesse. Aceitámos passivamente o resultado, dado que não queríamos causar mais complicações ao outro candidato...

LM - E o que é que aconteceu ao rapaz do café?

AS - Foi aprovado e passou a ensinar nas Belas-Artes, embora como de costume continuasse a estudar e a «viver» no café.» pág. 54 a 58

(ligações para a Associação Agostinho da Silva, o Instituto Camões e para uma página dedicada a ele)

sábado, março 13, 2004

Reportagem: FEIRA DO LIVRO DE BRAGA


Últimos dias da 13ª edição da Feira do Livro de Braga, que está a decorrer no Parque de Exposições desta cidade, com encerramento marcado para as 24h de amanhã, Domingo.

Com um número razoável de expositores e a representação de muitas editoras nacionais, complementadas com a presença de alguns alfarrabistas, a edição deste ano contou ainda com actividades diárias, como um recital de poesia, apresentações de obras, sessões de autógrafos, e conversas à volta de livros que contaram com a presença de Mário de Carvalho, Mariano Gago, Fernando Campos, Armando Silva Carvalho e Ana Eduarda Santos, entre muitos outros. Para amanhã, último dia da Feira, está ainda prevista a presença de Manuel Alegre, às 16h.

Interesse especial nas Feiras do Livro realizadas fora dos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto, é a procura de livros, autores e editoras que, devido à sua fraca distribuição, pouca divulgação ou pequena dimensão, dificilmente chegam às livrarias que estão longe do seu local de edição. Um exemplo dessa realidade é a Autores de Braga, uma pequena editora com uma base de “associados” que se comprometem a adquirir as suas edições, factor essencial para a sua sobrevivência. Fez-me lembrar uma ideia simples: bastava haver a garantia de que cada biblioteca municipal adquiria um exemplar de cada novo livro, para que os encargos financeiros da edição desse livro estivessem garantidos à partida. Não só se poderiam publicar muito mais livros, como o custo seria mais baixo, o que também se reflectiria no preço de venda ao público. Mas isso é um tema que poderemos desenvolver aqui mais tarde...

Na fotografia podemos ver o sr. Vilela, na banca dos Autores de Braga, assinando um dos seus livros. Autor de vários obras sobre a produção de livros e reformado dessa função há 5 anos, conseguiu editar quase sem apoios a sua última obra, Artes Gráficas - noções elementares, de que falaremos em mais pormenor brevemente, aqui no pilha.

Enquanto isso, aproveitem os últimos dias desta Feira, e até à próxima!

sexta-feira, março 12, 2004

QUEM ME DERA SER ONDA - Manuel Rui

Chamam-lhe novela, mas apetece-me dizer que este é um delicioso conto, que se lê num (pequenino) fôlego, que nos leva bem adentro duma família angolana, cansada do peixefritismo do dia-a-dia, e a mudança que um porco vai trazer às suas vidas...
Bom, o pai Diogo começa logo por dizer que não é porco, é leitão, mas para matéria de interpretação de leis (que é como quem diz, para os vizinhos que têm de viver com o bicho no mesmo prédio), é a mesma coisa. Com muitos truques e artimanhas, o animal lá ganhou um novo lar, pelo menos até ver a faca mais de perto... O problema é que os putos Ruca e Zeca afeiçoaram-se a ele, e para além de se ter transformado no herói de todas as histórias partilhadas no recreio da escola, recusavam-se a aceitar a ideia de ver o amigo em churrasco. Mais truques e engenharias serão precisas para manter o pai distraído de tão cruel destino, que lhes garantiu que o «carnaval da vitória» não chegava ao próximo carnaval...

Quem me dera ser onda, de Manuel Rui, da Cotovia, 6ª edição (Abril 2001; 1ª ed.: Julho 1991), 70 pág., pvp.: €8


«- Não percebo como neste país não há carne de porco. Disse-me um camarada que é o bicho mais barato de se criar. E aproveita-se tudo. A pele do boi não se come. A gordura também não. A do porco dá banha e torresmos. - Ruca interrompeu:
- Pai, a margarina faz-se com sebo de boi, a professora é que disse.
- Mas quem é que falou aqui em margarina? A tua professora a ver se troca sebo por toucinho! Pergunta-lhe. Ainda a carne de boi não se pode salgar. Quem não tem frigorífico está tramado. E o chouriço, morcela, paio e presunto? A carne de porco salga-se. E os ossos. Não percebo. Quando se viaja de carro encontra-se porco em toto o lado. Então por que é que o tal ministro não manda comprar os porcos das províncias e pôr a carne nas bichas de Luanda? Matadouro o tuga deixou. Vejam só: um povo revolucionário como o de Cuba tem a mesma opinião, come bué de carne de porco. - E virando-se para “carnaval da vitória”: - Por isso espera, o dia do teu fuzilamento já vem aí, falta pouco, que eu não sustento porcos a comida do Trópico. Era o que faltava. Vais lerpar. - E repetiu o gesto de corta pescoço. Os miúdos ficaram atónitos.» pág. 53

Quem me dera ser onda nos palcos de Luanda.

No uARTE, Manuel Rui diz assim:
«A realidade é sempre maior que o imaginário. Por mais que nós sonhemos com coisas, elas na realidade acontecem.
Depois de eu escrever o Quem me Dera Ser Onda estava num colóquio num centro universitário, na cidade de Luanda, e houve uma senhora que me disse "mas sabe essa história que você contou, eu tenho lá no prédio um porco que é criado por uma senhora, muito bem tratado. Ele ronca, as pessoas abrem o elevar e ele desce; é vadio, tem mais do que uma namorada, anda pelos sítios onde há lixo e depois à noite volta". Por mais que a gente imagine as coisas, elas acontecem.»

Este é um livro bookcrossing, que espero libertar ainda hoje, na livraria Clepsidra, em Lisboa

quinta-feira, março 11, 2004

Argumento Adaptado: Recursos na Net

Based on the Book é uma página da Mid-Continent Public Library, que permite pesquisar numa base de dados de filmes baseados em livros. Com mais de 950 títulos e incluindo filmes lançados depois de 1980, é uma ferramenta útil na procura deste tipo de filmes. Apesar disso, tem algumas falhas, a mais óbvia das quais é a de que as pesquisas apenas dão como resposta o título do filme e o ano em que foram lançados. Sugestão: pegar nessa informação e procurar mais dados no IMDB, onde eles próprios vão buscar alguns dados.

O High Street Central apresenta listas infindáveis sobre tudo e mais alguma coisa, incluindo livros de e sobre cinema. Films & Filmmaking e Movies são as que aqui nos interessam. Apesar de todas as ligações nos levarem à Amazon, esta loja on-line não deixa de ser uma boa fonte de informação, inclusivamente sobre livros.

No Zuzu também encontramos várias listas de filmes relacionados com ou baseados em livros, cujas ligações remetem para o IMDB. Movies based on books, Biographical movies, Movies based on plays e Films emphasizing poetry são algumas das listas que lá podemos encontrar.

segunda-feira, março 08, 2004

Esta semana, no Mil Folhas

«Ao contrário do que acontece em Proust, no romance do irlandês William Trevor o tempo não se recupera. Passa, modifica-se, faz doer, dulcifica-se e, por fim, mesmo por fim, quando já não há nada a esperar, cristaliza-se numa serenidade que tem tanto de aceitação da vida como de aceitação da morte. Mas nunca devolve o que roubou. "A História de Lucy Gault" é a história de uma perda irreparável. Só a suprema arte da discrição do autor impede que caia no patetismo. A ferida permanece aberta, mas deixa de ser lacerante. Está lá, simplesmente, do mesmo modo que o defeito no andar que ficou a Lucy da queda sofrida naquela noite de fuga.»
Regina Louro fala assim de "A História de Lucy Gault", que a Temas e Debates editou em Novembro último. O cenário é a Irlanda, em 1921, e o capitão Gault sente na pele o castigo pelo casamento com uma inglesa. Como última solução, a fuga, mas como dizer isso a uma menina de 6 anos, que sente ir deixar para trás todo o seu mundo?

O Atiçador de Wittgenstein, ou A História de uma Discussão de Dez Minutos entre Dois Grandes Filósofos. Ou, como se pode ler numa introdução ao livro, «Em 1946, numa sala de Cambridge cheia de gente, Ludwig Wittgenstein e Karl Popper encontraram-se frente a frente pela primeira vez. E o encontro não correu nada bem.» Para além das palavras arremessadas, correram boatos de que até atiçadores teriam servido de armas de luta... Os jornalistas David Edmonds e John Eidinow lançaram-se à descoberta do que de facto aconteceu nesse dia, e apresentam também retratos destes filósofos, bem como as correntes filosóficas que nos legaram. Desidério Murcho entrevistou os dois autores e apresenta o livro. Uma edição da Temas e Debates.

«No livro "Il vecchio con un piede in Oriente", Tonino Guerra fala-nos de uma das suas viagens à Rússia, de um passeio com Paradjanov, à procura de igrejas abandonadas. De vez em quando surpreendiam-se ao encontrar velas acesas nos muros em ruínas. Entraram numa igreja escura, que tinha nas paredes frescos mais ou menos destruídos pela humidade. Um grande S. Jorge, montado num cavalo branco, dava o golpe mortal no dragão. Na escuridão imóvel da igreja algo aconteceu.»
Volta-se a falar de Tonino Guerra no pilha, por ocasião desta crónica de Ana Teresa Pereira. Nela não surge O Mel, mas por lá passam O Livro das Igrejas Abandonadas e Il Viaggio, do qual se diz «nunca conheci outro escritor que dedicasse um livro a um rio.» Ora aqui está um que eu gostava de ver traduzido...

Notas de Tradução: DIAS, FUMO e ASSIM SE DEIXA UMA CASA

Dias, Fumo, de Antonio Saéz Delgado, e Assim se deixa uma casa, de Ruy Ventura, são duas novidades de poesia da Alma Azul. Para além de serem edições bilingues (português e castelhano), há algo mais que as une.

«La noche abre sus ojos infinitos y se hace imposible reconocer los pocos restos de vida abandonados tras estas paredes.
En la memoria resuena la más triste de todas las canciones. Te habla del miedo y de sueños que son llagas en el desierto de los años. Arena y ceniza se mezclan hasta dibujar el perfil exacto del tiempo.» pág. 14

«A noite abre os seus olhos infinitos e torna-se impossível reconhecer os poucos vestígios de vida abandonados por detrás destas paredes.
Na memória ressoa a mais triste de todas as canções. Fala-te do medo e de sonhos que são chagas no deserto dos anos. Areia e cinza misturam-se até desenharem o perfil exacto do tempo.» pág. 15

«os livros
resguardam a sala do
vento
que a meio da tarde
atravessou todo o vale» pág. 55

«los libros
protegen la sala del
viento
que en medio de la tarde
atravesó todo el valle.» pág. 54

Ruy Ventura, nascido em Portalegre em 1973, é o tradutor de Dias, Fumo. Por sua vez, António Sáez Delgado, nascido em Cáceres (Espanha) em 1970 e professor de literatura na Universidade de Évora, traduziu Assim se deixa uma casa para o castelhano, para além de ter escrito o prefácio a essa obra.
Mais uma vez a Alma Azul descentraliza a edição nacional, desta vez trazendo-nos poéticas de ventos alentejanos e espanhóis.

Decorre hoje uma sessão de apresentação destes 2 livros na livraria Ler Devagar, a partir das 19h. José Luís Peixoto fará a apresentação das obras.

sábado, março 06, 2004

DO OUTRO LADO DA LINHA

O que aqui se apresenta é um retrato invulgar, estranho, por não estarmos habituados a vê-lo assim, por não ser assim que normalmente nos chega aos olhos e aos ouvidos.
Há quem apresente palavras que ajudam a enquadrar este cenário (Paquete de Oliveira fala dos Lugares do lugar a que outros não chegaram), poemas e histórias (como as Histórias sem tempo, de Germano de Almeida), mas são as fotografias de Rosa Reis que mais marcam. Ela que mergulhou na vida do bairro, e chegada à superfície tinha os retratos das gentes que ali vivem e sobrevivem, os sorrisos dos meninos e os meninos com caras de mau, as mães e as avós, o massagista e o sucateiro.


Do Outro Lado da Linha, uma edição do Centro Social do Bairro 6 de Maio, Dezembro de 2003, 209 pág., pvp: 25€

Estas identidades revelam sobretudo que a verdade tem muitas caras. Há meninos pretos que não sabem onde é Cabo Verde, assim como há meninos brancos que não sabem onde é o 6 de Maio. São as muitas caras da emigração, dos sonhos que os sorrisos não escondem, da vontade de viver.



Do Outro Lado da Linha pode ser encontrado nas livrarias. Continuam a ser realizadas sessões de apresentação do livro, em locais e momentos também a ser anunciados aqui mesmo no pilha.
Os lucros da venda deste livro revertem, exclusivamente, para o Centro Social do Bairro 6 de Maio.

sexta-feira, março 05, 2004

OS LIVROS DA MINHA VIDA - Henry Miller

«Estou sentado numa sala pequena, com uma das paredes agora completamente coberta de livros. É a primeira vez que tenho o prazer de trabalhar com algo semelhante a uma colecção de livros. Não há provavelmente mais do que quinhentos ao todo, mas, na sua maioria, representam a minha própria escolha. É a primeira vez, desde que comecei a minha carreira de escritor, que me vejo rodeado por um número considerável dos livros que sempre desejei possuir. Contudo, considero o facto de, no passado, ter feito a maior parte do meu trabalho sem a ajuda de uma biblioteca mais como uma vantagem do que como uma desvantagem.

Uma das primeiras coisas que associo à leitura de livros é a luta que empreendi para os obter. Não para os possuir, bem entendido, mas para os ter na mão. A partir do momento em que a paixão me dominou, não encontrei senão obstáculos. Na biblioteca pública, os livros que queria nunca estavam disponíveis. E, claro, nunca dispunha de dinheiro para os comprar. Conseguir autorização na biblioteca do meu bairro - tinha na altura dezoito ou dezanove anos - para requisitar uma obra tão «depravada» como The Confession of a Fool, de Strindberg, era completamente impossível. Naquela época, os livros que os jovens estavam proibidos de ler eram marcados com estrelas - uma, duas ou três - de acordo com o grau de imoralidade que lhes era atribuído. Suspeito que este procedimento ainda subsiste. Espero que sim, pois não conheço nada mais bem engendrado para nos aguçar o apetite do que este género estúpido de classificação e proibição.» págs. 25, 26

Os Livros da Minha Vida, de Henry Miller (trad. Ana Bastos), da Antígona, Fevereiro de 2004 (1ª ed. portuguesa), 397 pág., pvp: €23

Publicado em 1952, tinha Henry Miller 60 anos de vida, este livro relata muitas das influências dum autor "maldito", proibido e lido por todo o mundo (não fosse essa uma das receitas para aguçar o apetite...). Apesar de só agora surgir a edição portuguesa, de modo algum será uma leitura fora de tempo. Como só agora peguei nele, deixo lugar à crítica para mais tarde, mas fica já a deixa, com os 2 primeiros parágrafos (em cima), e esta passagem, ainda na página 26:

«Os livros são uma das poucas coisas que os homens apreciam profundamente. E quanto melhor for o homem, com mais facilidade se separará dos bens que lhe são mais queridos. Um livro abandonado numa prateleira é uma munição desperdiçada. Tal como o dinheiro, os livros têm de estar em constante circulação. Emprestem e peçam emprestados tanto quanto puderem - quer livros, quer dinheiro! Mas sobretudo livros, pois estes representam infinitamente mais do que o dinheiro. Um livro não é apenas um amigo, cria novas amizades. Quando possuímos um livro com a mente e o espírito, ficamos enriquecidos. Mas quando o passamos a alguém, enriquecemos o triplo.»

Isto até me faz lembrar uma célebre expressão em inglês, bookcrossing...

quinta-feira, março 04, 2004

Notas de Tradução: SOBRE OS DIFERENTES MÉTODOS DE TRADUZIR

Hoje inicia-se mais uma série de posts temáticos aqui no pilha-livros. Depois de Argumento Adaptado, dedicado ao cinema e publicado todas as Quintas, surge o Notas de Tradução. Sem dia fixo de publicação mas de aparição regular, será espaço para análise de obras de Teoria da Tradução, para destaque de edições bilingues (de qualquer género literário), será lugar de publicação de excertos de obras na língua original e numa de tradução, dará eco aos nossos desejos de tradução de certas obras, e como certas traduções poderiam ter sido evitadas...

Num momento em que esta actividade é muito falada, seja pela boa (ou má) qualidade das traduções, ou até pela maior importância que por vezes se parece dar a estas, em detrimento das próprias obras originais, este será um seu espaço de divulgação, análise e discussão, que mais uma vez se abre a todos os que sentirem ter uma contribuição para dar. Para começar, uma pequena apresentação de Sobre os Diferentes Métodos de Traduzir, de Friedrich Schleiermacher.

Não é comum vermos, no panorama editorial português, obras não-poéticas em formato bilingue, condição essencial para se constatar onde está a arte do autor e o engenho do tradutor (ou onde estão ambos). A Porto Editora, através da sua colecção Elementos Sudoeste, dá-nos essa possibilidade precisamente num texto que analisa a actividade de traduzir, e que tem apresentação, notas, tradução e posfácio de José M. Miranda Justo.

Através das palavras do tradutor podemos apercebermo-nos do que o autor nos quer transmitir com este texto:
«Os «métodos de traduzir» a que se refere Schleiermacher são dois e só dois, i.e., com explícita exclusão da possibilidade de qualquer terceiro. O tradutor estabelece uma mediação entre o autor do texto original e o leitor da tradução. Assim sendo, das duas uma, ou move o leitor tanto quanto possível até ao autor, ou move o autor quanto possível até ao leitor. No primeiro caso a actividade de traduzir tem em vista a restituição do específico no seu máximo estranhamento possível. No segundo caso tem em vista a anulação do estranho, a nacionalização do estrangeiro. E Schleiermacher não tem qualquer dúvida em defender as virtudes e as vantagens do primeiro método, apesar de todas as dificuldades e prejuízos, como também não hesita em afirmar que o objectivo do segundo método é não só «inalcançável» como «negativo».» pág. 165, incluído no posfácio

Escrito em 1813, por ocasião duma conferência na Real Academia de Berlim, e apesar de nalguns (poucos) pontos podermos constatar o afastamento temporal das ideias expostas, o que aqui se pode ler é um importante contributo na discussão dos princípios que guiam a actividade de tradução.

Sobre os Diferentes Métodos de Traduzir (Ueber die Verschiedenen Methoden des Uebersezens), de Friedrich Schleiermacher (trad. José M. Miranda Justo), edição bilingue, da Porto Editora, colecção Elementos Sudoeste, Novembro 2003, 206 pág., pvp: €7,60

Ainda falando dos métodos de traduzir, agora nas palavras do autor:
«Estes dois caminhos são tão diferentes que é necessário seguir exclusivamente um deles, com tanto rigor quanto possível, pois que qualquer mistura entre ambos dará um resultado altamente insatisfatório e é de recear que entre escritor e leitor se dê o desencontro total.» pág. 61

«A minha intenção é, pois, deixando de lado todas as questões particulares relativas a este objecto já tratadas pelos peritos nesta arte, considerar apenas os caracteres mais universais destes dois métodos, para assim preparar a possibilidade de discernir em que consistem as específicas vantagens e dificuldades de cada um deles, em que vertente, portanto, cada um deles mais completamente atinge o objectivo da actividade de traduzir, e quais as fronteiras de aplicação de cada um deles.» pág. 67

estas duas passagens podem ser lidas no original alemão no pilha-links.

(pistas nos caminhos da tradução: Tonino Guerra no pilha-livros, n’O Livro das Igrejas Abandonadas e n’O Mel, Fernando Pessoa, Eva Christina Zeller e Hermann Hesse no Eelko Van Mulder)

Argumento Adaptado: MOVIES OF THE 70'S, 80'S & 90'S

Esta semana não se fala de livros adaptados ao cinema, falamos de livros que são cinema, da capa até à última página. Com cerca de 800 páginas cada um, a Taschen editou livros que são ao mesmo enciclopédias, antologias e museus de memórias do cinema das 3 últimas décadas.

Olho para a capa de Movies of the 70’s e só me lembro dum enxerto de porrada ao som de Gene Kelly e "Singin' in the Rain". Mas se essa foi a década de "A Laranja Mecânica", "Apocalipse Now", "O Padrinho", "Guerra das Estrelas" e "Annie Hall", talvez fosse melhor um livro para cada ano... Chamam-lhe a altura do nascimento do "blockbuster", graças aos contributos de Steven Spielberg ("O Tubarão") e George Lucas (também por "American Graffiti"), e foi também nos anos 70 que surgiram Robert de Niro ("Taxi Driver"), Al Pacino ("O Padrinho") e Dustin Hoffman ("Papillon").

Encarado como parente pobre, a década de 80 traz-nos memórias de um cinema espectáculo, viesse ele d'outro planeta ("ET" ou "Aliens"), tempo ("Exterminador Implacável" ou "Blade Runner") ou sabe-se lá d'onde ("Caça-Fantasmas")... Mas não só: Indiana Jones viveu as suas 3 aventuras em cinema nesta década, a mesma que viu a consagração de Kevin Costner em "Danças com Lobos" ou a ascensão de Julia Roberts em "Uma Mulher de Sonho". Tudo em Movies of the 80's.

Nos anos 90 fizeram-se grandes filmes da minha vida. "O Silêncio dos Inocentes" foi um dos mais marcantes (bem no início da década), "Pulp Fiction" lá no meio, e "Magnolia" a terminar. É também nos Movies of the 90's que podemos ver como fazer um grande sucesso com um enorme orçamento ("Titanic") ou com nenhum ("The Blair Witch Project")...

Todos os livros foram organizados por Jürgen Müller, estudioso de História de Arte e hoje em dia professor de História do Cinema em Paris.
Cada volume custa €29,99 e as versões em inglês encontram-se facilmente nas livrarias.

quarta-feira, março 03, 2004

Blogs e Livros

Dentadura, ou uma Crítica Literária 100% mordaz.

O Livros com Letras tem andado um bocado apagado, com poucos posts nas últimas semanas, mas merece uma olhadela.

A bibliophile's miscellany no 52 books, ou o desafio de ler 52 livros num ano.

No pensaletes 3.0 também se fala sobre livros.

Boas leituras :)

terça-feira, março 02, 2004

Agenda 2 de Março

Mais uma sessão d'Os Livros em Volta, hoje à volta do Ensaio, a partir das 18h30, no Pequeno Auditório da Culturgest (Lisboa). Com moderação de Eduardo Prado Coelho, estarão à conversa Maria Filomena Molder, Maria João Cantinho, Maria João Ceitil e Patrícia San Payo, autoras de livros analisados hoje, onde haverá grande destaque à editora Vendaval.

A Imperfeição da Filosofia, de Maria Filomena Molder, da Relógio d'Água
O Anjo Melancólico - Ensaio sobre o conceito de alegoria na obra de Walter Benjamin, de Maria João Cantinho, da Angelus Novus
Pôr o Corpo a Pensar, de Maria João Ceitil, do ISPA
Literatura, Defesa do Atrito, de Silvina Rodrigues Lopes, da Vendaval
A Inocência do Devir, de Silvina Rodrigues Lopes, da Vendaval
Exercícios de Aproximação, de Silvina Rodrigues Lopes, da Vendaval
Blanchot, a Possibilidade da Literatura, de Patrícia San Payo, da Vendaval

segunda-feira, março 01, 2004

AS LEIS DO CÉU - Juan Antonio Belmonte

Há realmente leis no céu. Se existe alguma coisa que pode ser muito confortante é reparar que, ano após ano, as estrelas ocupam o lugar que lhes é devido. As estações sucedem-se uma após outra em perfeita harmonia, e em cada (re)começo há sinais celestiais muito particulares que nunca mudam.

Não podia passar despercebido, aos nossos antepassados, o deslumbrante espectáculo que, assim que o Sol se punha, se desenrolava por cima das suas cabeças. E não passou, de todo. Basta folhear o livro. Deparamo-nos com esboços tão familiares como os menires ou Stonehenge, ou com mapas do Mediterrâneo com zonas escurecidas indicando onde não se podia navegar sem contar as estrelas. A tentativa de compreensão era enorme, quase tão grande como o que a razão tentava atingir.

Não é, por tudo isto, "apenas" mais um livro de astronomia. É, acima de tudo, um livro sobre o homem. Do que o fez temer o céu, do que o obrigou a tentar compreender o que era, das crenças inevitáveis que lhe surgiram... e de como a consciência dos fenómenos celestes podia ser vital para a sua sobrevivência. Houve estrelas que, em muitas civilizações, indicaram o tempo para semear e o tempo para colher.

A sua leitura fica recomendada, mesmo àqueles mais renitentes a esta temática e a quem os livros de divulgação científica pouco dizem.

As Leis do Céu, de Juan Antonio Belmonte, da Mareantes Editores, 2003, 288 pág., pvp: 19,80€

edição original (Espanhola)
Las Leyes del Cielo, de Juan Antonio Belmonte, da Temas de Hoy, Junho de 1999, 296 pág., pvp: 14,42€