«A ideia que ocorreu ao Soberano de criar o Tabir assenta no facto de Alá lançar um sonho anunciante à superfície do globo com a mesma desenvoltura que desfere um relâmpago, desenha um arco-íris ou aproxima subitamente de nós um cometa que Ele vai buscar ninguém sabe a que misteriosas profundezas do Universo. Lança então um sinal sobre esta terra, sem cuidar do lugar onde ele vai cair, pois, distante como está de nós, não pode ocupar-se de tal género de pormenor. É a nós que nos cabe descobrir onde pousou este sonho, desencantá-lo entre milhões e biliões de outros, como quem busca uma pérola perdida num deserto de areia.»
Mark-Alem é um jovem ocioso, descendente da família Quprili, influente família aristocrata de origem albanesa, num ficcionado Estados Unidos Otomanos em meados do século XIX. Mark-Alem é nomeado para o Tabir Sarrail, o Palácio dos Sonhos, instituição criada pelo Soberano, cuja função é analisar e deslindar os sonhos tidos pelos habitantes dos quatro cantos do vasto império, em busca de visões e sinais do futuro do Estado, em busca do Sonho-Mor. Mark-Alem, dividido entre as suas origens e as suas funções, passa a viver envolvido na pesada máquina de poder de um Estado autoritário, na constante incerteza do que é sonho e do que é realidade, e em constante conflito entre aquilo que define o futuro do Estado e o seu próprio futuro.
Kadaré tem uma extraordinária forma de prender o leitor. O ambiente que cria, lembra Orwel, em "1984", ou Zamiatine, em "Nós". As suas descrições lembram Kafka, em "O Processo". A sua escrita balança entre o realismo fantástico dos sul-americanos e o realismo cru dos balcânicos. Tudo isto junto leva "O Palácio dos Sonhos" para a minha lista de livros da vida, e Kadaré para a lista de autores a reter e repetir.
Só é pena que tão fantástica história tenha direito a tão fraca edição. Vários erros, incoerência nos termos, pouca pesquisa e informação (as poucas notas de rodapé limitam-se a traduções das notas da edição francesa). Não há por aí ninguém que dê a este livro o tratamento que merece? Se não houver, só me resta ir aprender Albanês.
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