sexta-feira, agosto 26, 2005

Chama que chama à leitura

AVC: deve ser a doença mais assustadora. Sentir que já não dispomos de todos os recursos que nos permitem disfrutar a vida tal como sempre a conhecemos, sentir que a mente está ela própria doente, incapaz e
deficiente...

São especulações absurdas, provavelmente. Qualquer doença deve ser terrível na pele, corpo e espírito de quem padece. Mas confesso que esse tal de AVC me dá uns calafrios...



Gianbattista Bodoni teve um. Não o tipógrafo do século XVIII, mas o protagonista deste livro. O tipógrafo não sei. Não procurei o que
caracterizou a sua vida.

Quando sai do coma provocado pela doença, perguntam-lhe pelo seu nome. Não se recorda, e o seu médico diz-lho. A resposta pronta de Yambo (é como ganha vida no livro) é que poderia ser Napoleão Bonaparte, já que foi contemporâneo de Bodoni! Ah, o carácter do homem!!

Assim se fica com uma primeira ideia dos estragos que a doença lhe terá provocado. O passado lá está, muito desvanecido, enquanto o presente vai primar pela ausência... características típicas da doença, julgo.

E, com um tal nome, que profissão é que o nosso homem teria escolhido? Livreiro! Alfarrabista, mais precisamente!! Lidar com a fase final dos objectos tipografados. Trabalho lindo, aquele que trata dos livros.

Ora... um livreiro, com um AVC que lhe poupou parte das memórias antigas e lhe subtraiu a maioria das recentes deve ter umas histórias estranhas e interessantes para contar...

E não é que tem?!!!

A vida de Yambo torna-se, em algumas partes, uma tentativa obcecada de reconstrução do seu passado. Vai para uma casa onde passou grande parte da infância e da adolescência, para além de alguns períodos da sua vida adulta, onde o espera um espólio enormíssimo de muito do que tinha sido editado em Itália nos últimos 60 anos, a par de alguns objectos bem mais antigos.

Há livros do Mickey (Topolino é muito mais giro!), brochuras do partido fascista, jornais da época, PILHAS DE LIVROS, recortes, cartas, etc... (muito grande, este etc!)

Ao longo do livro deparamo-nos com situações curiosas. Às pilhas, também. Yambo tem uma assistente lindíssima que o trata de um modo muito carinhoso. Claro que esse facto vai desencadear uma tempestade de perguntas na cabeça do pobre homem: será que somos amantes? Será que já nos tocámos? Será que a amo? Será que terá sido sempre assim, um jogo de insinuações e uma amizade cúmplice? Será que...? E mais trovoada do mesmo género...

Em suma...

Eis um livro para quem gosta de livros, para quem adora ler, para quem devora caracteres. Mesmo quem tem PILHAS DE LIVROS vai adorar esta leitura e notar que este é extremamente especial.


Ah, um pormenor: escrito por Umberto Eco...

A Misteriosa Chama da Rainha Loana, de Umberto Eco, editado pela Difel, 424 páginas, pvp: 25€

quinta-feira, agosto 11, 2005

Este mundo e todos os outros

Bill Bryson, um contador de peripécias extremamente engraçado, arrisca-se num mundo que pouco ou nada lhe diz, povoado por criaturas estranhas com nomes como quark, muão, isótopo, supernova, neutrino, estrela de neutrões e muitos outros da mesma índole. Eu é que não queria viver num mundo assim, bolas!

Uma Breve História de Quase Tudo é o resultado das deambulações de Bryson nessas estranhas andanças. E o resultado do resultado é um livro de divulgação científica sobre quase tudo!

Bryson, um ignorante de ciência assumido, consegue provar-nos que, fazendo as perguntas certas, por mais idiotas que nos possam parecer (não há perguntas estúpidas, mas respostas estúpidas, não é assim?), às pessoas que lhes conseguem dar respostas satisfatórias (claro que os destinatários eram todos PhD, MSc, MD e por aí fora), consegue-se saber um pouco de quase tudo.

Depois, misturando tudo com o humor e ironia de Bryson, mais o seu inegável talento para descrições minuciosas hilariantes, consegue-se a façanha de se estar a ler textos sobre coisas intrincadíssimas e soltar ocasionais gargalhadas e muitos esgares de riso!

Há um outro livro de Bryson em que o leitor é advertido para não efectuar a sua leitura em locais públicos, porque vai correr o risco de emitir sons guturais que colocarão todos os olhos dos presentes sobre si.

Faço a mesma advertência para esta obra.


Ciência mesmo a sério, mesmo a brincar!

quarta-feira, agosto 10, 2005

Ilusões do passado

Depois de um género revisitado, revisito um autor: Paul Auster.

O Livro das Ilusões trouxe-me de volta o autor que eu conhecera há uns 7 ou 8 anos, com o magnífico Palácio da Lua, editado então pela Presença.


Este Livro das Ilusões é uma narrativa sobre a vida e obra de um realizador de filmes mudos, Hector Mann, que desaparecera muitos anos atrás sem deixar qualquer rasto.

Até ao dia em que alguém se decidiu a estudar a sua obra.

Um homem, Zimmler, desfeito por três mortes muito próximas, limitando-se a anular os dias que vai (sobre)vivendo com doses maciças de álcool, servindo-se de tudo o que estiver ao seu alcance para se anestesiar e embotar os sentidos durante meses consecutivos, começa a rir com vontade ao ver um dos filmes velhinhos de Mann. A curiosidade vence a prostração e decide-se a saber quem tinha sido o homem que destapara a sua câmara de inércia e desespero.

Foi o abrir da caixinha de Pandora: as situações sucedem-se, o ritmo do livro e de leitura torna-se bastante elevado, as situações do passado revelam-se muito presentes e prementes, as aproximações e afastamentos de personagens bastante brutais. Mesmo à Paul Auster!

Às vezes sabe mesmo bem um bocadinho de ilusão...

Aqui fica uma sugestão para um fim-de-semana ocioso ou para os super finais de tarde de Verão.

Boas leituras :)

domingo, agosto 07, 2005

Lembrando a Feira

À Corto Maltese

D'abalada o Mar Salgado
Atravesso à Exupéry,
Voo mar encapelado
- o teu último álibi.
Em Veneza há um tesouro,
Fábula muito glosada...

"Não desvies polegada"
Disse a voz do bom agouro
Que entre as Célticas guardada
Estavas tu, ruiva adorada.
Minha linda, linda Inês.
Sobe ao palco é a tua vez
F.


P.S. Este ano, a Feira do Livro de Lisboa brindou-nos com poemas espalhados por todo o recinto, nos quais pudemos testemunhar a devoção de F. por Inês.

Foto: J

quinta-feira, agosto 04, 2005

Alfarrabista: A Abertura no Jogo de Xadrez

«Nada seria tão enganador para o xadrezista como tentar memorizar as incontáveis linhas de jogo das aberturas e considerar este caudal teórico como uma arma infalível para a vitória. Pondo de lado que seria necessário possuir uma memória monstruosa para isso, e mesmo conseguindo obter este recurso, dar-se-ia frequentemente o caso de se perderem partidas que na abertura nos eram favoráveis, mas que, ao "sairmos do livro", nos apresentam uma série de problemas para cuja solução não nos ajudam aqueles conhecimentos. Então a amargura que a derrota nos produza será maior, dado que o nosso caudal teórico não serviu para outra coisa senão para pôr mais a descoberto a nossa inferioridade.»
pág.13

A Abertura no Jogo de Xadrez (El Espiritu de la Apertura), de Ricardo Aguilera, das Edições 70, Setembro de 1978 (ed. original: 1968)

Este livro fazia parte da extinta Colecção Solário, cujos editores descreviam assim:
«Tendo por base a ideia de publicar livros para os tempos livres, esta colecção pretende também corresponder às necessidades e solicitações da vida quotidiana. Obras de cunho ligeiro, dedicadas preferencialmente a jogos e passatempos em família ou de reuniões sociais, alternarão com outras de carácter menos circunstancial. As intenções declaradamente lúdicas de alguns títulos não colidem com o rigor e a exigência postos na escolha de outras obras, de carácter vincadamente prático, constituindo uma resposta satisfatória aos pequenos e grandes desafios da vida moderna.»

Antes deste livro, já outros quatro tinham sido publicados, nomeadamente:
- Os Mistérios da Mão;
- Venha Jogar Connosco;
- Manual de Cultura Física;
- O Prazer de Estar em Forma;

e estava já previsto para publicação o sexto, Jogos do "Playboy".

Este último seria um dos "declaradamente lúdicos" ou um dedicado às "reuniões sociais"?

Boas partidas :)

P.S.: E assim se inicia mais uma colecção aqui no pilha, a do Alfarrabista, que apenas lê livros do tempo da avózinha, com folhas amarelas e muito cheiro a mofo.

segunda-feira, agosto 01, 2005

A morte de dois jornais

As imagens d'A Capital e d'O Comércio do Porto no post de 26 de Julho não aparecem, e as ligações para os seus sites não funcionam, porque os jornais foram encerrados no passado Domingo.

Parabéns.