"O gato treinava-se. Mahlke dormia ou fingia dormir. Deitado a seu lado eu, com a minha dor de dentes. O gato aproximava-se a fazer o seu footing. A maçã-de-adão de Mahlke era digna de nota; grande, sempre em movimento, projectava uma sombra. Entre mim e Mahlke o gato preto do guarda do estádio agachava-se para preparar o salto. Formávamos um triângulo. O meu dente reduzira-se ao silêncio, deixara de insistir: a maçã de Mahlke metamorfoseara-se, para o gato, num rato. O gato era tão novo, a maçã possuía uma tal mobilidade... o que sei é que o gato atirou um salto ao pescoço de Mahlke; ou então um de nós pegou no gato e pô-lo sobre o pescoço de Mahlke; ou então fui eu, com dor de dentes ou sem ela que agarrei no gato e lhe mostrei o rato de Mahlke: e Joaquim Mahlke deu um grito mas sofreu apenas umas arranhadelas insignificantes." Págs. 5 e 6
"O Gato e o Rato", de Günter Grass, Edição Bibliotex, 2003, para a colecção "Prémio Nobel" do Diário de Notícias. Tradução de Carmen Gonzalez, cedida pela Europa-América. 159 pag.
"Claro que o admirávamos. Mas Mahlke mal dava por isso; ia-se tornando cada vez mais lacónico e não tolerava já que o ajudássemos a transportar as suas trapalhadas." Pág. 66
A história de Mahlke, o Grande. Ou o anti-herói, que fugia o protagonismo que teimava em persegui-lo. Enquanto percorria estas páginas, vinham-me à memória, frequentemente, imagens do filme "Führer ex", de Winfried Bonengel, que há bem pouco tempo passou, com o Festival de Cinema Alemão, em Lisboa. Günter Grass passa do confuso ao arrebatador com uma velocidade impressionante. Sem dúvida um escritor a repetir.
"Foi ele também que me encorajou a contar a história do gato e do rato: «Sente-se descansado, meu caro Pilenz, e escreva como lhe vier à cabeça. Você dispõe, por muito kafkianas que tivessem parecido as suas primeiras experiências poéticas e as suas novelas, de um estilo pessoal: aprenda violino ou liberte-se pela escrita - não foi gratuitamente que o Senhor lhe deu telento»." Pag. 113
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