«Estou sentado numa sala pequena, com uma das paredes agora completamente coberta de livros. É a primeira vez que tenho o prazer de trabalhar com algo semelhante a uma colecção de livros. Não há provavelmente mais do que quinhentos ao todo, mas, na sua maioria, representam a minha própria escolha. É a primeira vez, desde que comecei a minha carreira de escritor, que me vejo rodeado por um número considerável dos livros que sempre desejei possuir. Contudo, considero o facto de, no passado, ter feito a maior parte do meu trabalho sem a ajuda de uma biblioteca mais como uma vantagem do que como uma desvantagem.
Uma das primeiras coisas que associo à leitura de livros é a luta que empreendi para os obter. Não para os possuir, bem entendido, mas para os ter na mão. A partir do momento em que a paixão me dominou, não encontrei senão obstáculos. Na biblioteca pública, os livros que queria nunca estavam disponíveis. E, claro, nunca dispunha de dinheiro para os comprar. Conseguir autorização na biblioteca do meu bairro - tinha na altura dezoito ou dezanove anos - para requisitar uma obra tão «depravada» como The Confession of a Fool, de Strindberg, era completamente impossível. Naquela época, os livros que os jovens estavam proibidos de ler eram marcados com estrelas - uma, duas ou três - de acordo com o grau de imoralidade que lhes era atribuído. Suspeito que este procedimento ainda subsiste. Espero que sim, pois não conheço nada mais bem engendrado para nos aguçar o apetite do que este género estúpido de classificação e proibição.» págs. 25, 26
Os Livros da Minha Vida, de Henry Miller (trad. Ana Bastos), da Antígona, Fevereiro de 2004 (1ª ed. portuguesa), 397 pág., pvp: €23
Publicado em 1952, tinha Henry Miller 60 anos de vida, este livro relata muitas das influências dum autor "maldito", proibido e lido por todo o mundo (não fosse essa uma das receitas para aguçar o apetite...). Apesar de só agora surgir a edição portuguesa, de modo algum será uma leitura fora de tempo. Como só agora peguei nele, deixo lugar à crítica para mais tarde, mas fica já a deixa, com os 2 primeiros parágrafos (em cima), e esta passagem, ainda na página 26:
«Os livros são uma das poucas coisas que os homens apreciam profundamente. E quanto melhor for o homem, com mais facilidade se separará dos bens que lhe são mais queridos. Um livro abandonado numa prateleira é uma munição desperdiçada. Tal como o dinheiro, os livros têm de estar em constante circulação. Emprestem e peçam emprestados tanto quanto puderem - quer livros, quer dinheiro! Mas sobretudo livros, pois estes representam infinitamente mais do que o dinheiro. Um livro não é apenas um amigo, cria novas amizades. Quando possuímos um livro com a mente e o espírito, ficamos enriquecidos. Mas quando o passamos a alguém, enriquecemos o triplo.»
Isto até me faz lembrar uma célebre expressão em inglês, bookcrossing...
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