segunda-feira, maio 17, 2004

ARRANHA-CÉUS - Jacinto Lucas Pires

«JÚLIO CÉSAR: Fazes-me um grande favor?

BARMAN: Depende.

JÚLIO CÉSAR (sentando-se ao balcão): Esta música...

BARMAN (interrompendo-o): Se há uma palavra que eu odeio, é “depende”. “Depende”... É uma palavra capaz de tornar uma conversa interessante numa coisa mole, sem coluna vertebral, sem força, sem nada...

JÚLIO CÉSAR: Não te sabia tão filosófico.

BARMAN: Deformação profissional... Uísque, cerveja?

JÚLIO CÉSAR: Vinho tinto.

BARMAN: Não te sabia tão filosófico.

JÚLIO CÉSAR (sorrindo): Um dia não são dias...»
(págs. 68 e 69)

Continuamos nos palcos, desta vez com uma peça escrita por Jacinto Lucas Pires e editada pela Cotovia em 1999, que viria a ser interpretada no Teatro Nacional de S. João, no mesmo ano, com encenação de Ricardo Pais. (a página)

Júlio César é um jovem com uma carreira profissional dividida entre os Ovos Rodrigues e a loja de perucas, uma vida amorosa cheia de equívocos e desencontros, e com uns amigos muito peculiares. Para além disso, tem uma aversão a palavrões que o metem nas mais curiosas situações...

Pormenor curioso nesta história são as músicas que Júlio César e Dores cantam um com o outro (e um ao outro), dessa mítica banda, os Wafers... Quem? Os Wafers, que criaram os grandes sucessos “Lying” e “Miss Police Woman” :) Mais pormenores sobre esta banda criada para a peça no site mp2000.

Em suma, só posso acrescentar que gostei muito, e que me deu muita pena de não a ter visto em palco...

Arranha-Céus, de Jacinto Lucas Pires, da Cotovia, 1ª edição (1999), 120 pág., pvp: €9,98

«A rua do Vendedor de castanhas, de tarde. Chove, Júlio César protege-se debaixo do guarda-chuva do carrinho do Vendedor. Vão passando pessoas.
(...)
VENDEDOR: ...O cágado chamava-se Pascoal. “Pascoal, olha a tua casa nova. É muito bonitinha, não é? Hã? Não achas?” ... A minha Rute... Penso sempre nela quando chove. (Breve pausa) A vida é mesmo uma merda.

JÚLIO CÉSAR: Não diga isso.

Pausa

VENDEDOR: ...Sim, tem razão. Há coisas boas...

JÚLIO CÉSAR: Não, é que eu não suporto palavrões.

VENDEDOR: ...Como?

JÚLIO CÉSAR: Fazem-me nervos...

VENDEDOR: Peço desculpa, foi sem intenção. (Pausa) Não há maneira de parar...

JÚLIO CÉSAR: O quê?

VENDEDOR (a apontar em frente): ... A chuva.

JÚLIO CÉSAR: Pois é.»
(págs. 74 a 76)

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