domingo, fevereiro 29, 2004

NENHUM NOME DEPOIS - Maria do Rosário Pedreira

À minha fome de poesia, de sorrisos tristes, responde Maria do Rosário Pedreira com um novo livro. Nenhum comentário a fazer, apenas as suas palavras.

Nada mudou. Ao fim de tantos anos, o meu
passado é ainda o mesmo passado - nenhum
rosto diferente para desviar o rio da memória,
nenhum nome depois. (...) pág.62

Nenhum Nome Depois, de Maria do Rosário Pedreira, da Gótica, Fevereiro de 2004 (1º ed.), 74 pág., pvp: €11

Nunca soube o teu nome. Entraste numa tarde,
por engano, a perguntar se eu era outra pessoa -
um sol que de repente acrescentava cal aos muros,
um incêndio capaz de devorar o coração do mundo.

Não te menti; levantei-me e fui levar-te à porta certa
como um veleiro arrasta os sonhos para o mar; mas,
antes de te deixar, disse-te ainda que nessa tarde
bem teria gostado de chamar-me outra coisa - ou
de ser gato, para poder ter mais do que uma vida. pág.13

Esta semana, no Mil Folhas

Paulo Moura fala de Asfixia, e diz assim: «Não é necessário ler este livro. Há tantos outros nas livrarias, prometendo histórias maravilhosas e edificantes. Para quê perder tempo com este? (...) O autor-narrador avisa logo de início. Disso não nos podemos queixar. O livro começa assim: "Se vais ler isto, não te maces. Ao fim de um par de páginas, não vais querer estar aqui. Por isso, esquece. Sai enquanto ainda estás inteiro. Salva-te. Tem de haver qualquer coisa melhor na televisão. Ou uma vez que tens tanto tempo livre, talvez pudesses tirar um curso à noite. Tornares-te médico. Podias fazer qualquer coisa boa para ti. Oferecer a ti próprio um jantar fora. Pintar o cabelo. Não estás a ficar mais jovem. O que acontece aqui, primeiro, vai chatear-te. Depois, vai ficando cada vez pior".»
Se virmos que há quem, num resumo do livro, diz assim: «A sua especialidade: cuidar de viciados de sexo em grupo que ele gosta de reunir, à volta de uma mesa, em sessões de terapia colectiva.»; e que o primeiro livro de Chuck Palahniuk foi "Clube de Combate", há que não deixar escapar "Asfixia". Edição da Notícias.

A Asa lançou recentemente, na sua colecção Pequeno Formato, uma Pequena Antologia da Poesia Palestiniana Contemporânea.
Salim Jabrane diz: O sol passa as fronteiras / sem que os soldados / abram fogo sobre ele. Com tradução de Albano Martins, fica a análise de Margarida Santos Lopes, e uma pequena apresentação de alguns destes poetas.


«Nos vidros tapados, lá está a terrível expressão "mudança de ramo". Pronto: a pequena livraria que abriu em Maio passado em Campo de Ourique, na Silva Carvalho, ao pé do Bana e dos Alunos de Apolo, a pequena livraria que mal abriu saudei, não chegou a estar aberta um ano. (...)
Por que hei-de perdoar-me a mim? Não foi isso mesmo o que eu disse àquela pequena livraria que abriu em Maio? Que não a queria? Que não me servia para nada? Que lhe prefiro a Internet e as fnacs?
Que fiz eu em resposta ao gesto generoso de abrir uma loja ao pé de mim? Encolhi os ombros, comprei três livros, segui o mercado, abandonando as franjas.
Se a pequena livraria fechou, fui também eu que a fechei.»
Jorge Silva Melo, em Já fechou a livraria.

sábado, fevereiro 28, 2004

Agenda 28 de Fevereiro

Apresentação de Teatro Popular Mirandês - Textos de Cariz Profano, da autoria do Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra (GEFAC), da Almedina. A sessão tem início às 18h00, na Livraria Almedina do Arrábida Shopping (V. N. Gaia), na qual se poderá assistir também à representação de alguns quadros de Teatro Popular Mirandês pelo GEFAC.

sexta-feira, fevereiro 27, 2004

O MEL - Tonino Guerra

«O Mel foi publicado em 1981, pela Maggioli, uma editora quase clandestina de Rimini, em dialecto romagnolo acompanhado de uma versão em italiano.
(...)
O próprio Tonino Guerra propôs que se elaborasse a tradução portuguesa a partir do romagnolo, emprestando para isso memórias, propostas esclarecimentos, correcções, tudo o que foi determinante para este projecto. Recordo que o canto Vinte e Quatro, por exemplo, «encomendado» por Fellini para o filme Casanova, valeu muitos telefonemas para Portugal na obstinada busca de uma palavra, «quase dialectal», que adensasse o carácter misterioso do poema. Dos quatro ou cinco termos apresentados, quis ser Tonino a escolher. (...)
Creio que lendo O Mel se percebe que Tonino Guerra nos faz ouvir o rumor das folhas que caem.»

Esta apresentação a O Mel, bem como a tradução do mesmo, são da autoria de Mário Rui Oliveira. E é mais uma vez através da Assírio & Alvim que Tonino Guerra surge nas livrarias portuguesas. Já aqui tínhamos falado de O Livro das Igrejas Abandonadas, mas é com esta edição que a língua, o dialecto em que aquelas palavras foram originalmente escritas chega até nós. O romagnolo está praticamente extinto, mas busca a eternidade na poesia das palavras de Tonino Guerra. Como o refere Italo Calvino:

«(...) Por isso O Mel é um livro que se tornará mais belo cada ano que passar e daqui a cem anos muitos aprenderão romagnolo para ler no original a jornada dos dois velhos irmãos. E sentirão inveja da sorte que tivemos nós em ser amigos de Tonino e de o ouvir chamar-nos, volta e meia, ao telefone, impaciente, para nos contar a última, desde Santarcangelo, Piazzale Clodio, Tbilisi...»

São 36 cantos, 36 poemas de Tonino que espalham encantamento pelas páginas deste livro, pelos tempos das nossas estações, de campos lá bem longe, muito perto de nós.

O Mel, de Tonino Guerra, da Assírio & Alvim, Fevereiro de 2004 (1ª edição, e apesar de no livro vir a data Março 2004), 91 pág., pvp: 12€
Tonino Guerra, Il Miele, Maggioli editore, Rimini, 1982 (Premio Biella).


CANTO NONO (CANTÈDA NÓV)

Terá chovido durante cem dias e a água infiltrada
pelas raízes das ervas
chegou à biblioteca banhando as palavras santas
guardadas no convento.

Quando tornou o bom tempo,
Sajat-Novà o frade mais jovem
levou os livros todos por uma escada até ao telhado
e abriu-os ao sol para que o ar quente
enxugasse o papel molhado.

Um mês de boa estação passou
e o frade de joelhos no claustro
esperava dos livros um sinal de vida.
Uma manhã finalmente as páginas começaram
a ondular ligeiras no sopro do vento
parecia que tinha chegado um enxame aos telhados
e ele chorava porque os livros falavam.

quinta-feira, fevereiro 26, 2004

Argumento Adaptado: O PROCESSO

«Alguém devia ter caluniado Josef K., porque foi preso uma manhã, sem que ele houvesse feito alguma coisa mal. A cozinheira da senhora Grubach, a dona da pensão, que lhe levava o pequeno-almoço todos os dias por volta das oito horas, não apareceu desta vez. Isto nunca tinha acontecido. K. aguardou mais um pouco; apoiado na almofada da cama, viu a velha senhora que morava em frente da sua casa a observá-lo com uma curiosidade completamente inacostumada; mas depois, sob o efeito simultâneo da surpresa e da fome, tocou a campainha. Bateram logo à porta e entrou um homem que ele nunca vira naquela casa. Era esbelto e, no entanto, de constituição sólida, trajava um fato preto ajustado que, à semelhança dos fatos de viagem, possuía diversas dobras, algibeiras, botões e um cinto, em consequência do que, sem que se conseguisse designar-lhe o uso, parecia particularmente prático.» pág.5

«- Como posso eu encontrar-me sob prisão? E desta maneira, quem pode estar?
- Cá o temos agora a recomeçar - disse o guarda enquanto molhava uma fatia de pão no pequeno boião de mel. - Nós não respondemos a esse género de perguntas.
- Vão ter de responder - disse K. - Aqui estão os meus documentos, mostrem-me agora os vossos e antes de tudo, o mandato de prisão.
- Ó meu Deus! - disse o guarda. - Como é incapaz de adaptar-se à situação e parece determinado a irritar-nos inutilmente, a nós que, entre todos os outros, somos sem dúvida os mais próximos de si!» pág.10

Em 1925, um ano depois da morte do seu autor, era publicado O Processo. Quase 80 anos depois, é uma das obras mais lidas e divulgadas de Franz Kafka.
Já com várias edições em Portugal, o Público trouxe-nos hoje mais uma, directamente para os quiosques de jornais. Aproveitanto a tradução de João Costa e Delfim de Brito para a Guimarães Editores, este é o nº 91 da colecção Mil Folhas, e também o 1º da anunciada última série de livros (desta vez com apenas 10 volumes) que este diário trouxe até ao grande público, a um preço reduzido.

O Processo, de Franz Kafka (trad. João Costa e Delfim de Brito), edição Público, colecção Mil Folhas nº91, Janeiro de 2004, 287 pág., pvp: 4,20€

Esta obra de Kafka já conheceu (pelo menos) 2 adaptações ao cinema:

Em 1962, Orson Welles realizou e escreveu a adaptação de Le Procès, em que Anthony Perkins representa Josef K.

Em The Trial, de 1993, é a vez de Kyle MacLachlan ser Josef K., na companhia de Anthony Hopkins. Realizado por David Hugh Jones, o argumento foi escrito por Harold Pinter.

terça-feira, fevereiro 24, 2004

WEBLOGS, Diário de Bordo - Elisabete Barbosa e António Granado

A Porto Editora lançou recentemente uma colecção dedicada a analisar e debater «as questões ligadas à comunicação, tanto no seu sentido mais lato como nas acepções especificamente ligadas ao universo dos "mass media"», que apropriadamente recebeu o nome de Colecção Comunicação. Dividida em 3 ramos, "Media e Sociedade", "Teorias e Debates" e "Educação e Media", é no primeiro que se integram os 2 números lançados até agora. Os Donos da Notícia - Concentração da Propriedade dos Media em Portugal, da autoria de Elsa Costa e Silva, foi a 1ª obra a ser lançada. O nº 2 é este Weblogs - Diário de Bordo, de Elisabete Barbosa e António Granado, de que irá aqui ficar uma pequena análise, no seguimento da atenção especial dada a livros sobre esta temática, iniciada com o livro Blogs.

Weblogs - Diário de Bordo, de Elisabete Barbosa e António Granado, da Porto Editora, Colecção Comunicação - Media e Sociedade nº 2, Janeiro de 2004 (1ª ed.), 96 pág., pvp: 11€

Tendo algumas semelhanças com o livro anteriormente aqui analisado, em termos das temáticas que aborda, nomeadamente, a história dos blogs, como criar e manter um, ou ainda as ligações muito próximas entre a escrita em blogs e o jornalismo, este "Weblogs" consegue ser mais incisivo e aprofundado na apresentação das ligações dos blogs com a sociedade. Com 3 capítulos dedicados às ligações entre os blogs e o jornalismo, o seu aproveitamento comercial por parte de empresas, e a sua utilização como ferramentas de ensino, conseguimos ter uma visão mais alargada deste fenómeno. Muitas vezes encarado como passageiro ou uma moda, como uma simples ferramenta para todos aqueles que não têm muitos conhecimentos em informática e que assim podem ter um diário virtual aberto a todo o mundo, podemos aqui perceber o quão diversificadas podem ser as suas aplicações.
Em anexo podemos encontrar algumas dicas sobre HTML úteis na altura de concebermos um blog, uma lista de sites importantes relacionados com este tema, e uma outra de blogs considerados de referência para os autores.
De referir que dois dos três livros referidos na bibliografia desta obra são da autoria de Rebecca Blood (criadora do blog Rebecca’s Pocket), estando um deles prestes a chegar às livrarias, pela mão da Campo das Letras, e do qual se falará aqui brevemente.
Os autores: Elisabete Barbosa é a criadora do Jornalismo Digital (iniciado em Fevereiro de 2002), a responsável pelo Blog Clipping (que reúne notícias sobre a blogosfera publicadas em Portugal), e participa ainda no Jornalismo e Comunicação e no Intervenções Sonoras; António Granado é jornalista de ciência no Público, autor do Ponto Media (em actividade desde 2 de Janeiro de 2001) e recentemente criou o PhDweblogs.net, um apontador de blogs relacionados com investigação científica.
Em resumo, "Weblogs" é uma obra interessante para quem acompanha ou se interessa por este fenómeno, quer esteja a começar agora ou tenha já alguma experiência, e que se pode considerar ainda bastante actual, dada a grande velocidade a que o mundo dos blogs evolui.

domingo, fevereiro 22, 2004

Recursos literários na internet

Na lista de links que se encontra permanentemente no lado direito do pilha-livros, encontra-se uma secção chamada "leituras". Nela estão incluídas ligações para páginas de divulgação de originais de ficção ou poesia, revistas literárias, enciclopédias, etc.
Alguns destaques:

The Literary Encyclopedia, com o sub-título de "Literature in English around the World", é uma base de dados de autores, obras e assuntos, com cerca de 760 colaboradores e milhares de registos. Dada a ausência de imagens, a pesquisa é muito rápida e é uma verdadeira enciclopédia que temos ao nosso dispôr, com dados biográficos, bibliografias de e sobre os autores, ligações para outras páginas de interesse, etc.

Today in Literature define-se como "a calendar of engaging stories about the great books, writers, and events in literary history". Sendo também uma muito útil base de dados de autores de todo o mundo, tem o atractivo de publicar um novo artigo literário todos os dias: o de hoje celebra o dia de nascimento do escritor canadiano Morley Callaghan.

The Literary Gothic é um guia para tudo o que está relacionado com a literatura Gótica, que apresenta dois principais objectivos: reunir num local ligações relevantes para a literatura gótica e tradições subsequentes, e tornar disponível textos de importantes e ignoradas obras de interesse Gótico ou sobrenatural.

sexta-feira, fevereiro 20, 2004

Poetas de rua: pedido de ajuda

Hoje cruzei-me com 2 amigos que andam a preparar um trabalho sobre poetas que viveram (ou vivem) na rua. Para além do Alba que esteve sempre presente, e com o espí­rito de Agostinho da Silva a vaguear, mais ninguém se apresentou. A todos vós que por aqui passarem faço um pedido: se conhecerem mais algum poeta, escritor, filósofo, ..., que saibam ter passado pelas ruas, publicado ou não, deixem o seu nome aqui mesmo neste espaço de comentários ou enviem-mo para o mail. Se mais informações tiverem, de links, livros publicados, locais por onde parem, deixem aqui também.
Obrigado. Boas leituras.

quinta-feira, fevereiro 19, 2004

Argumento Adaptado: GHOST WORLD

Editado pela Fantagraphics, Ghost World mostra Enid e Rebecca, duas adolescentes à margem da normalidade, na passagem da vida "simples" do liceu para o mundo adulto. Utilizando uma linguagem crua e fugindo o mais possível ao politicamente correcto, Daniel Clowes dá-nos uma BD ao mesmo tempo surreal e muito mais real do que poderíamos esperar. O que quer que seja, Ghost World não passa por nós sem deixar marca.
A publicação em Portugal de Mundo Fantasma é uma co-edição da livraria Mundo Fantasma com a Devir.

Daniel Clowes

Ghost World, o filme (2000), foi realizado por Terry Zwigoff, autor do argumento do filme, em colaboração com o próprio Daniel Clowes. A interpretar as duas jovens temos Thora Birch, que um ano antes tinha deslumbrado em "Beleza Americana", e Scarlett Johanson, que por estes dias vai deslumbrando em "Lost in Translation"...


links para o site oficial do filme e para uma crítica no Cine Die.

terça-feira, fevereiro 17, 2004

Agenda 17 de Fevereiro

Apresentação do livro As Constituições dos Estados de Língua Portuguesa, organizado por Jorge Bacelar Gouveia, da Almedina. A sessão tem início às 18h30, na Livraria Almedina do Atrium Saldanha (Lisboa) e o livro será apresentado pela Ministra da Justiça, Maria Celeste Cardona, que escreveu o prefácio desta obra.

- Mais uma sessão de "Os Livros em Volta", desta vez consagrada à Literatura para a Infância e Juventude, a partir das 18h30, no Pequeno Auditório da Culturgest (Lisboa). Com moderação de Alice Vieira, juntam-se à conversa Alain Corbel, Ana Saldanha, João Paulo Cotrim e Nuno Higino, autores dos livros escolhidos para hoje:

Uma Casa Muito Doce, de Ana Saldanha, da Caminho
A Cor Instável, de João Paulo Cotrim, da Afrontamento
A Viagem de Djuku, de Alain Corbel, da Caminho
O Crescer das Árvores, de Nuno Higino, da Campo das Letras
O Senhor Outono e o Lagarto Amigo das Palavras, de Nuno Higino, da Campo das Letras

segunda-feira, fevereiro 16, 2004

A EXTRAORDINÁRIA VIAGEM DE PÍTEAS, O GREGO - Barry Cunliffe

«Há mais de 2300 anos uma expedição extraordinária, encabeçada por Píteas, partiu da colónia grega de Massília (actual Marselha) para explorar as fabulosas terras do Norte da Europa; esta era uma região misteriosa, mitificada, que segundo a ciência grega era demasiado fria para permitir a vida humana. Não se intimidando, Píteas tornou-se o primeiro homem letrado a visitar as ilhas britânicas, a costa germânica e mesmo a Islândia. Surpreendentemente, as ilhas britânicas só tornaram a ser visitadas por exploradores clásicos 300 anos depois, quando lá chegaram as legiões de Júlio César. Perante esta realidade pode dizer-se que Píteas foi o Colombo da Antiguidade.»

"A extraordinária viagem de Píteas, o Grego", de Barry Cunliffe (trad. Joana Rosa), Editorial Inquérito, Maio 2003, 157p.

(Acerca da origem do nome Bretanha)
"Assim, quando Píteas desembarcou na península de Belerion, teria sabido que a ilha se chamava Albion, e que os seus habitantes se chamavam Pretani, que provavelmente significa «os pintados» ou «o povo tatuado», referindo-se à sua decoração corporal. Isto não é de todo certo porque tal nome, referindo-se à aparência física, seria um pouco invulgar como etnónimo (isto é, o nome pelo qual um povo se designa a si próprio), mas seria mais compreensível se fosse o que outros lhes chamavam. Talvez fossem então os Armoricanos que chamavam aos habitantes de Albion Pretani e Píteas pura e simplesmente percebeu mal, pensando que a palavra era o nome tribal, agravando-se o mal-entendido ao chamar à terra deles Prettanike. Mas talvez estejamos a ser excessivamente cautelosos. É mais simples aceitar que o povo local tinha orgulho nas suas pinturas corporais e se chamava Pretani, porque em caso contrário estaríamos a admitir que o nome da nossa orgulhosa ilha teve origem num erro como uma alcunha ridícula dada aos nossos antepassados pelos antepassados dos Franceses! Isso seria demasiado." Pag. 93

(Actualização: Originalmente "pilhado" a 18/01/04)

sexta-feira, fevereiro 13, 2004

TRAÇO DE GIZ - Miguelanxo Prado

Traço de Giz, de Miguelanxo Prado, Meribérica/Liber, 64p.

Encontrei este livro numa feira de discos, o que o torna, por si só invulgar. Juntando ao comum invulgar da obra de Prado, temos em mãos uma peça única. Apesar de conhecer o trabalho do desenhista e contista galego, este livro não deixou de me surpreender. Prado alia o melhor do seu traço ao melhor da sua escrita, numa história em crescendo com o folhear das páginas. Ao fim da primeira leitura, uma segunda torna-se obrigatória. Depois vão perceber porquê...

Mais sobre o autor, a obra e uma entrevista.

A TUA CARA NÃO ME É ESTRANHA - Helder Moura Pereira

Chegou-me hoje às mãos o mais recente livro de Helder Moura Pereira, se bem que traga data de edição de Novembro último. Mas a “espera” valeu a pena.
A arte de cativar começa logo pelo título. A tua cara não me é estranha, diz ele, o livro, que logo a seguir diz assim, como numa conversa informal:

«As coisas passaram-se assim: meu avô
teve um desgosto de amor, quis matar-se.
Atirou-se do Castelo de S. Filipe
mas não se matou, ficou ali, primeiro
a gemer e depois inconsciente, julgava
que tinha morrido. Um pastor de ovelhas
encontrou-o e levou-o para o hospital.
No hospital o meu avô percebeu
que não tinha morrido, a irmã da regente
interessou-se por ele e casaram.
Do casamento nasceram três filhos,
meu pai foi um deles. Sou portanto neto
do acaso e o acaso é o meu pai.»

Pois é, parece que já te vi nalgum lado... Não tou é a ver bem onde... Talvez na bola... Ou num livro da Emily Dickinson.

«(...)
Dizer que descrevo a lareira apagada
e que há um círculo quadrado na minha geometria
não pode interessar à verdadeira poesia.»

Não sei se interessa ou não, mas como se diz por estes dias, eu hoje vou ler (e devorá-lo no fim-de-semana) «A tua cara não me é estranha», que a Assírio & Alvim teve a gentileza de trazer até nós, com a preciosa colaboração de Helder Moura Pereira.

quinta-feira, fevereiro 12, 2004

Argumento Adaptado

A partir de hoje, e sempre às quintas, o pilha-livros falará de cinema. Antes de mais, e reforçando uma ideia que está presente desde o 1º momento deste projecto, quero deixar aqui um convite: enviem sugestões de livros e/ou filmes, participem com textos, deixem comentários. Sejam uma voz activa no pilha.
Já de seguida, o sr. Ripley faz as honras da casa.

Originalmente editado em 1955, The Talented Mr. Ripley foi um dos primeiros livros publicados por Patricia Highsmith (o 1º foi Strangers on a Train, em 1950, também ele adaptado ao cinema, por Alfred Hitchcock) e provavelmente aquele que mais fama lhe touxe. Editado em Portugal pela Europa-América, a última edição (2ª, de 02/2000) traz já na capa uma fotografia ilustrativa do filme.

Adaptado ao cinema por Anthony Minghella (realizou, e escreveu o argumento) em 1999, dá-nos a oportunidade de ver Matt Damon dar vida a Tom Ripley, enquanto Jude Law e Gwyneth Paltrow nas personagens de Dickie Greenleaf e Marge Sherwood, respectivamente. É um dos meus filmes preferidos e parece-me ser uma muito boa homenagem à obra escrita mais de 40 anos antes.

Para descobrirem mais, aqui fica a ficha do filme e da autora no IMDB, uma biografia de Patricia Highsmith no Pegasos, a sua página na editora Norton e ainda uma crónica a propósito de outra obra sua, The Selected Stories of Patricia Highsmith, no Boston Review.

terça-feira, fevereiro 10, 2004

O ESTRANHO CASO DO CÃO MORTO - Mark Haddon

O Prémio Whitbread para Livro do Ano de 2003 foi atribuído, no final de Janeiro, a O Estranho Caso do Cão Morto, de Mark Haddon.
O Estranho Caso do Cão Morto, de Mark Haddon, da Presença, 233 pág., pvp: 14,96€

Editado em Portugal pela Presença, aqui fica a entrevista que o autor deu a Alexandra Lucas Coelho, publicada no Mil Folhas desta semana, assim como uma análise à obra, e uma outra entrevista, à Powells.com, conduzida por Dave Weich.

sábado, fevereiro 07, 2004

Urbano Tavares Rodrigues

TENTATIVA DE NUDEZ
Quem sou? Como vivi? Que espero ainda?
Se escrevo, é justamente porque me interessa saber quem sou. Escrevo desde sempre - quase posso dizê-lo: antes de escrever no papel escrevia no meu vazio já povoado de palavras, de imagens. Foi esse o meu escreviver: procurar-me. No entanto, em dado momento da vida, no final da década de 50, a importância que os outros cada vez mais assumiam para mim reduziu algum tanto a importância que me atribuía. Tornei-me, de certo modo, um elo de uma cadeia que passa ao meu lado, que eu toco, que eu sinto, que vem dos confins da História e se projecta na Humanidade. Não me tornei sereno, não encontrei resposta para todas as perguntas, continuei a discutir comigo, com as minhas sombras, no meu estreito espaço humano, mas acompanhado, isto é, numa escala diversa. Tem menos importância agora quem sou do que aquilo que faço e não tanto o acto em si como o seu efeito, a sua ressonância num mundo em transformação. É claro que a escrita, a minha escrita desobedece a todos os programas. Por isso continua a ser para mim apaixonante escrever, medir-me com a palavra e na palavra, através dela acertar-me com o projecto que vivo, sem trair as raízes que já dispersei no espelho do inconsciente, a minha escrita. E aí está: o que ainda espero da vida, afinal, é poder escrever vivendo, com o corpo (amando e lutando), com essa parte do corpo a que chamamos espírito (repensando o mundo em mim, todos os minutos, todos os segundos do tempo de que ainda disponho).
Urbano Tavares Rodrigues, em O Gosto de Ler (1980)

Com 50 anos de vida literária comemorados em 2002 (quando lhe foi atribuído o Prémio Vida Literária pela Associação Portuguesa de Escritores), e mais de 70 livros publicados, Urbano Tavares Rodrigues é uma das maiores referências da literatura portuguesa. Este "Tentativa de Nudez" foi escrito em 1979 e está incluído em "O Gosto de Ler", livro de 1980 que reúne uma série de ensaios que analisam a obra de Luís de Sttau Monteiro, Luandino Vieira e Manuel Rui, entre outros, ou simplesmente falam do 25 de Abril ou do que o leva a escrever. Editado pela Nova Crítica e esgotado há muitos anos, tive a sorte de o encontrar num alfarrabista, o que me leva a deixar aqui uma questão, que tentarei aprofundar numa outra oportunidade: não haverá interesse das editoras dos nossos dias e dos próprios autores (ou seus herdeiros) em reeditar estas obras perdidas, que se transformaram entretanto em peças raras e tantas vezes impossíveis de encontrar? Ou o interesse passará por preservar essa característica de objecto raro, inacessível a tantos de nós?

Urbano Tavares Rodrigues completou 80 anos de vida em Dezembro último, mas não é isso que o impede de continuar a trazer até nós as palavras e as histórias do nosso contentamento. Prova disso é que o seu último livro foi publicado pouco antes, em Novembro, e traz-nos uma colecção de 21 contos que inclui "A Estação Dourada", que dá o nome à obra, e "God Bless America", que já tinha sido editado em nome próprio num volume ilustrado fotograficamente, alusivo à guerra no Iraque. Em "A Estação Dourada" podemos encontrar também "Elisa", a história de uma gata com «olhos cor de âmbar, ou castanho-dourados», e "Virás de Manhã com o Sol a Abril", em que se lê assim:
«Hás-de voltar, não duvido, nem que seja para uma visita de borboleta. Um instante de ti já é mel para a minha solidão. Não consigo nem quero calcular o que te há-de trazer. Um drama ou uma insignificância, tanto monta. Virás.»



(ainda um artigo/entrevista com Fernando Dacosta, e 3 perguntas sobre Nunca Diremos Quem Sois e God Bless America)

quinta-feira, fevereiro 05, 2004

OS HOMENS ESQUECIDOS DE DEUS - Albert Cossery

Os Homens Esquecidos de Deus, de Albert Cossery (trad. Ernesto Sampaio), da Antígona, Fevereiro 2002 (1ª edição), 151 pág.

«Não existe um autor vivo que tenha descrito de forma mais pungente e implacável a vida daqueles que, no género humano, compõem a grande multidão submersa...», disse Henry Miller, após introduzir a obra de Albert Cossery nos Estados Unidos da América, em 1940. Originalmente publicado em 1927, este foi o seu primeiro livro, e é impossível ficar-lhe indiferente. São 5 contos em que a miséria nos é apresentada duma forma a que não estamos habituados, de tão cruel - «Era um dia como os outros: lento, feroz e esfomeado de vítimas humanas.» pág. 84 -, de tão ilusória. Chega-se ao fim e fica um sabor amargo na boca, mas ainda assim uma esperança, porque estes personagens são sobreviventes. Podem não controlar os rumos do mundo, ou muitas vezes até os seus próprios, mas continuam. Em busca de um futuro menos atroz.

«- Somos pobres porquê? -, perguntou a criança.
(...)
A criança estava sempre à espera que lhe explicassem por que eram pobres. Deixara de chorar, mas ainda havia muitas lágrimas dentro de si, todas as lágrimas das crianças miseráveis cujos sonhos são traídos pela vida.
- Escuta, pequeno, vai-te sentar num canto e deixa-me trabalhar. Se somos pobres é porque Deus nos esqueceu, meu filho.
- Deus! - exclamou a criança. - E quando se lembrará ele de nós, meu pai?
- Quando Deus esquece alguém, é para sempre.» pág. 56, 57

(um outro excerto deste livro, no pilha-links)

quarta-feira, fevereiro 04, 2004

Agenda 5 de Fevereiro

Apresentação da colecção "Cadernos de Reportagem", dirigida por José Vegar e editada pelas Publicações Dom Quixote. Até agora foram publicados 3 títulos: O Estrago da Nação, de Pedro Almeida Vieira; Olhem Para Mim - Geração Modelo, de Fernanda Câncio; e A Nuvem de Chumbo - O Processo Casa Pia na Imprensa, de Nuno Ivo e Oscar Mascarenhas. A apresentação será do jornalista José Pedro Castanheira, numa sessão que decorrerá a partir das 21h30, na Sala Algarve da Sociedade de Geografia de Lisboa.

terça-feira, fevereiro 03, 2004

Agenda 4 de Fevereiro

Apresentação pública de A Criminalidade Organizada Transnacional - A Cooperação Judiciária e Policial na UE, de João Davin, da Almedina. A sessão tem início às 18h00, no Auditório do CEJ, no Largo do Limoeiro (Lisboa), e a apresentação estará a cargo de Cândida Almeida.

domingo, fevereiro 01, 2004

Esta semana, no Mil Folhas

O fim de todas as imagens, ou como a a investigação de Filipe Seems chega ao fim, com A Tribo dos Sonhos Cruzados (Asa), último tomo desta trilogia iniciada em 1993 e que esteve à espera deste volume 3 durante 9 anos. Entrevista de Carlos Pessoa a António Jorge Gonçalves e Nuno Artur Silva e uma análise da obra.
Se os livros têm esse poder de fascínio irresistível para tantos de nós, que tal um chamado "Os Livros"? E se lá dentro encontrarmos poesia? Manuel António Pina escreveu, a Assírio & Alvim editou. Com que palavras e sem que palavras?, é a análise de Maria da Conceição Caleiro.
Diz-se que Oscar Wilde se referiu a A Volta no Parafuso como "um pequeno conto maravilhoso, terrível e venenoso". A Relógio d'Água trá-lo até nós, para podermos entrar nos mundos imaginados por Henry James. A noite dá-me um nome é a análise de Ana Teresa Pereira.