terça-feira, janeiro 27, 2004

O AFINADOR DE PIANOS - Daniel Mason

É conhecido que passou um ano na Tailândia a estudar a malária - e essa foi evidentemente a inspiração para o cenário do livro. Mas quanto ao piano, como lhe surgiu a ideia do piano?
O livro começou apenas com a imagem de um piano na selva. Gostava de me recordar quando é que pensei nisto pela primeira vez, mas honestamente não me lembro. Com frequência me impressionaram as histórias de colonizadores ou viajantes que transportavam coisas do ocidente para a selva, há por exemplo a história de Joseph Rock, um botânico norte-americano, que levou uma banheira para a Indochina. Ou a ópera em Manaus, no Brasil. Um piano parecia-me um símbolo maravilhosamente complexo do colonialismo; pode objectar-se a muitos aspectos do colonialismo europeu, mas creio que a beleza de pelo menos alguma música europeia é universal. Por isso, tudo começou por um piano; escrevi uma página de uma história sobre um pianista na Birmânia, e depois decidi que um afinador de pianos era uma personagem mais interessante, uma pessoa que é chamada a fazer um trabalho, e que tem por isso espaço para mudar enquanto personagem. Claro que teria de colocar o afinador de pianos nalgum lado. Pode ser muito interessante pôr um piano nas selvas da Birmânia, mas esse piano não consegue escapar à natureza, à humidade. À medida que ia escrevendo, fui ficando cada vez mais fascinado pelo processo de afinação de pianos. A princípio tinha pensado nisso como uma tarefa relativamente mecânica, mas quanto mais escrevia, e com quantos mais afinadores ia falando, mais percebia que o acto de afinação é realmente uma coisa maravilhosa. Um compositor dá a música, um pianista a actividade mecânica, e o piano o mecanismo, mas um afinador é aquele cujo trabalho transforma as motivações humanas e a máquina num som belo.

A pergunta-cliché: existe algo ainda que vagamente autobiográfico neste livro? Isto é, em termos de experiência: por exemplo, a dificuldade em regressar a casa?
Tenho a certeza de que muita da história veio de algum lado muito pessoal. Tenho uma grande dificuldade em ficar muito tempo num mesmo lugar, e sempre adorei viajar. Especificamente, encantaram-me a história e as culturas do Sueste Asiático, e muita da minha escrita foi uma tentativa para explorar este mundo que tinha visto e do qual depois me despedi, que era tão diferente do meu. Inspirei-me na “Odisseia”, como disse, e na ideia de nunca querer que uma viagem termine. Um dos meus autores favoritos é Bruce Chatwin, provavelmente pelo facto de ele ter enunciado de maneira tão bela a necessidade humana de continuar a vaguear. Penso que é isto que Edgar sente, logo a partir do momento em que principia a sua viagem, e é provavelmente o que senti e continuo a sentir.

excerto da entrevista do autor de O Afinador de Pianos, Daniel Mason, a João Carlos Silva, publicada no Mil Folhas, suplemento do jornal Público, de 24/01/04

O Afinador de Pianos, de Daniel Mason, edições Asa, Novembro 2003, 352 pág., pvp:16€

passagem do livro:
«Estranhamente, desde que parti de Mandalay, vi mais do que teria imaginado e compreendi mais sobre o que vi, mas ao mesmo tempo esta sensação de estar incompleto agudiza-se. A cada dia que passa, espero por uma resposta, como um bálsamo ou água que mate a sede.»

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