domingo, janeiro 18, 2004

A IDENTIDADE - Milan Kundera

«Chantal e Jean-Marc vivem juntos em Paris, e amam-se tanto que por vezes parecem confundir-se. Há situações em que, por um instante, nenhum dos dois se reconhece, em que a identidade do outro se dissolve e em que, por tabela, cada um duvida da sua própria identidade. Todo aquele que ama, todo aquele que faz parte de um casal, já alguma vez experimentou essa sensação, porque o que mais teme no mundo quem ama é "perder de vista" o ser amado. Pouco a pouco, é isso que acontece a Chantal e Jean-Marc. Mas em que instante, diante de que gesto, em que circunstância precisa começa esse processo aterrador? É nesse momento de pânico que Kundera agarra o leitor, obrigado a mergulhar no labirinto que o próprio casal percorre e a cruzar, como ele, a fronteira entre o real e o irreal, entre o que ocorre no mundo exterior e o que, solitariamente, elabora uma mente dominada pela insegurança. Como seguindo o fio de um início projecto de largo alcance, que parece iniciar-se com A Imortalidade, Kundera volta a abordar um tema essencial da nossa época, fazendo-o inesperadamente, desta vez, sob a forma de um romance de amor.»

"A Identidade", de Milan Kundera (trad. Pedro Tamen), edições asa, (6ª edição), 161p., pvp:4.50€

«O mal-estar suscitado pelo sonho era tão desmesurado que se esforçou por decifrar a razão de tal. O que a perturbou assim, pensa ela, foi a supressão do tempo presente operada pelo sonho. Está apaixonadamente apegada ao seu presente e não o trocaria por nada deste mundo, nem pelo passado nem pelo futuro. Por isso é que não gosta de sonhos: impõe uma inaceitável igualdade entre diferentes épocas de uma mesma vida, uma contemporaneidade niveladora de tudo o que o homem alguma vez viveu; desconsideram o presente negando-lhe a sua posição privilegiada.» p.8,9

«Como pode ele querer mal a Chantal por pertencer ao seu sexo, por se parecer com as outras mulheres, por usar soutien e, com ele, a psicologia do soutien? Como se também ele não pertencesse a uma qualquer imbecilidade eternamente masculina! Ambos vão buscar a sua origem a essa oficina de pequenos trabalhos onde se deu cabo dos olhos com o movimento desarticulado de uma pálpebra e onde se instalou uma fabriqueta fedorenta na barriga. Têm ambos um corpo em que a pobre alma ocupa um ínfimo lugar. Não deveriam perdoar isso um ao outro? Não deveriam ultrapassar as pequenas misérias que escondem no fundo das suas gavetas? Foi possuído por uma imensa compaixão e, para colocar um traço final naquela história, decidiu escrever-lhe uma última carta.» p.103,104

(NR: crítica ao livro, em inglês, no artobello.de)

Sem comentários: