«Uma das razões pela qual há tão poucos de nós a agir, em vez de reagir, reside no facto de estarmos continuamente a sufocar os nossos impulsos mais profundos. Posso ilustrar esta ideia escolhendo, por exemplo, a maneira como a maioria de nós lê. Se se trata de um livro que nos entusiasma e nos estimula o pensamento, lemo-lo a correr. Ficamos impacientes por saber aonde vai aquilo levar; queremos captar, possuir a mensagem oculta. Repetidamente, nesses livros, tropeçamos numa frase, numa passagem, por vezes num capítulo inteiro, de tal modo estimulante e provocador que mal entendemos o que estamos a ler, de tal modo o nosso espírito fica sobrecarregado de pensamentos e associações que nada têm a ver com a obra. É raro interrompermos a leitura a fim de nos darmos ao luxo de desfrutar os nossos próprios pensamentos! Não, abafamos e suprimimos as nossas ideias, pensando poder retomá-las mais tarde, depois de termos acabado o livro. Claro que nunca o fazemos. Como seria melhor e mais sensato, mais instrutivo e enriquecedor, se seguíssemos a passo de caracol! Que importa se levássemos um ano, em vez de uns quantos dias, a acabar o livro?
«Mas não tenho tempo para ler assim!», objectar-me-ão. «Tenho outras coisas para fazer. Tenho deveres e responsabilidades.»
É precisamente àqueles que falam assim que estas palavras se destinam. Quem receia negligenciar os seus deveres lendo vagarosa e ponderadamente, cultivando os seus próprios pensamentos, irá negligenciar os seus deveres de qualquer maneira, e por motivos piores. Talvez o nosso destino seja perder o emprego, a mulher, a casa. Se a leitura de um livro nos pode agitar tão profundamente, a ponto de nos fazer esquecer as nossas responsabilidades, é porque estas últimas não têm grande significado para nós. Nesse caso, tínhamos responsabilidades maiores. Se tivéssemos confiado nos nossos impulsos íntimos, teríamos seguido até um terreno mais firme, no qual ficaríamos numa posição de vantagem. Mas tivemos medo de uma voz que murmurasse: «Volta aqui! Bate a esta porta! Entra!» Tivemos medo de nos vermos despojados e abandonados: Pensámos em segurança em vez de pensarmos numa nova vida, em novos domínios de aventura e de exploração.
Este é um mero exemplo do que pode acontecer, ou não acontecer, ao lermos um livro. Se o aplicarmos às múltiplas oportunidades que a vida constantemente nos oferece, será fácil ver por que motivo os homens não são capazes, não só de se tornarem heróis, mas mesmo simples indivíduos. A forma como lemos um livro é a mesma forma como lemos a vida. Maeterlink, a quem me referi há pouco, escreve com tanta profundidade e de uma maneira tão atraente sobre insectos, flores, estrelas, sobre o próprio espaço, como sobre os homens e as mulheres. Para ele, o mundo é um todo contínuo, interactivo e intermutável. Não há muros nem barreiras. Não há morte em nenhum lugar. Um momento do tempo é tão rico e completo como dez milhares de anos. Na verdade, trata-se de uma forma de pensar magnífica!»
O pilha fez um ano de vida no passado dia 21, e entre períodos mais férteis e outros de pousio, por aqui se tem falado muito de livros, do mundo que os rodeia, das pessoas que neles vivem.
Quem aqui em cima fala é Henry Miller, excerto de "Os Livros da Minha Vida", o livro que mais me marcou neste 2004, neste ano de pilha.
O desafio aqui fica: quais os vossos livros deste ano? Editados em 2004 (ou não), a descoberta de um autor, de uma colecção de livros, de uma editora, o que mais vos marcou neste ano de livros pilhados (oferecidos e partilhados) pode ser depositado no espaço de comentários mesmo aqui por baixo, ou enviado para a nossa nova morada: pilhalivros@yahoo.com.
Até já :)
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