«Estas reflexões fazem parte de um ensaio escrito entre 1961 e 1963, e conservado inédito por motivos óbvios, dedicado ao problema do colonialismo português.
Prólogo
Dada a gravidade, a persistência e a amplitude da questão posta à Nação inteira pelos acontecimentos africanos que a concernem, poder-se-ia crer, com algum fundamento, que os portugueses, ao menos os mais responsáveis, a tivessem convertido em sério e doloroso caso de consciência. Com espanto, ou sem ele, honesto é verificar que tal não sucedeu. Os motivos profundos desta singular ausência de interesse pelo que de tão perto parece tocar-nos são menos misteriosos do que se supõe. É propósito deste ensaio esclarecê-los, na medida em que o seu autor o puder. Convém, todavia, liminarmente, refutar a comum e fácil hipótese de atribuir o extenso e fundo desinteresse nacional pelo problema africano na sua totalidade, unicamente às circunstâncias históricas e políticas determinadas por um Regime como o nosso.
Com lógica profunda, segundo os seus interesses vitais, o Regime, ao apresentar as dificuldades africanas como exteriores, fazia já o máximo que lhe era possível para que elas se não convertessem para a Nação em «caso de consciência». Tudo o que se passa em África, segundo a sua óptica impecável, é da ordem do acidental, do provisório. A Nação é obrigada a ocupar-se do «caso», mas ele não lhe diz respeito senão como obra e acção de forças exteriores a ela. Que o Regime tenha empregado todos os esforços para «neutralizar» um generalizado e profundo exame da nossa «situação africana» é inegável. Mas, sem esquecer os poderes de que a máquina estatal dispõe, o seu sucesso objectivo sobre este ponto excede em muito os êxitos que habitualmente alcança nos domínios da doutrinação ideológica e política. (...)»
Situação africana e consciência nacional
(Cadernos Critério nº2)
Eduardo Lourenço
Publicações Génese (Agosto 1976)
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