terça-feira, maio 20, 2008

Deus ou uma aspirina?

A Quasi é provavelmente a editora que mais frequentemente muda de distribuidor e, volta não volta, lá regressam à distribuição própria, como agora. A acompanhar esta distribuição directa, a editora (e a sua gémea, a Magnólia), têm-nos trazido novidades de grande craveira, como O Caminho para a Felicidade, de L. Ron Hubbard (autor do best-seller Dianética), cuja apresentação diz «A alegria e felicidade verdadeiras têm muito valor. Se uma pessoa não sobreviver, não conseguirá obter alegria nem felicidade». Não podia concordar mais.

Mas o tema principal deste post é uma outra novidade da Magnólia, que dá pelo nome de O Sexo Depois dos Filhos. Ao ler as notas de capa, poder-se-á pensar que se trata apenas de mais um livro de ajuda sexual, com dicas e conselhos úteis, mas é muito mais do que isso. Quando lemos esta parte da sinopse, que até vem destacada no site, começa-se a desconfiar: «Estar num momento a fazer o jantar e logo a seguir amor, ser mãe e depois amante apaixonada, tudo isto no decorrer de uma única noite, levanta desafios únicos.»

Mas é quando se abre o livro e se lêem passagens ao acaso, que vemos que algo muito estranho se está a passar. Alguns exemplos:

- «Ao contrário do que é definido pela cultura, o amor não é um sentimento. É uma escolha. Escolhemos amar e não amar. Para as mulheres, de modo semelhante, fazer amor é uma escolha. Os nossos maridos sentem frequentemente o sexo como uma urgência motivada por aspectos físicos e hormonais; nós temos uma maior tendência para escolher ter vontade de fazer amor»;

- «A capacidade de escutar é uma das oferendas comunicacionais mais importantes que Deus deu aos casais, pretendendo assim que eles consolidem a sua intimidade. Diz-se que a capacidade de escutar é tão importante que Deus nos fez com apenas uma boca e com dois ouvidos. Ele quer que escutemos a outra pessoa»;

- «Tem mais dificuldades em dar prazer do que em receber prazer? Peça ajuda a Deus para ultrapassar aquilo em que tem mais dificuldades».

Mas há ainda pérolas melhores que estas. Reparai em alguns exercícios que compõem o anexo final, com o título sugestivo de «Guia para Líderes":

- «Identifique uma estratégia que gostaria de colocar em prática, de modo a avançar do acto de fazer rolo de carne para o acto de fazer amor. Pensem, em conjunto, nos pormenores que esta mudança de estratégia iria implicar»;

- «Dê, a cada mãe, um cartão de memória, e peça-lhes para escreverem, em dois minutos, todos os aspectos positivos que lhes surjam sobre os respectivos maridos. Encoraje-as a manterem esses cartões dentro das suas Bíblias ou em algum outro local que as levem a agradecer a Deus, numa base diária, pelas maravilhosas qualidades dos seus maridos».

A autora, Jill Savage, é apresentada como fundadora da Hearts at Home, uma «organização cristã que apoia, prepara e educa as mulheres para a maternidade». Autora de um livro com o sugestivo título de «Professionalizing Motherhood», mas «mais importante, Jill Savage é casada e tem cinco filhos».

Agora que se fala da (má) adaptação de alguns livros ao contexto europeu (e português), é de notar também as referências à Family Life Marriage, encorajando as leitoras a visitar o site e descobrir a localização mais próxima das conferências dadas por esta organização. As mulheres portuguesas poderão começar já a reservar o fim-de-semana de 31 de Outubro a 2 de Novembro, em que a Family Life as espera em Hartford (Connecticut), por apenas 129 dólares por pessoa (uma bagatela, nessa altura já o dólar está ao preço da uva mijona).

Brilhante Jorge, brilhante.

6 comentários:

Anónimo disse...

Calhei de passar por aqui e não podia deixar de dar uma opinião. Fica já dito que trabalho na empresa das editoras Quasi e Magnólia. Primeiro, não é a editora Quasi que faz a distribuição mas a empresa Do Impensável. Já que parece tão informado, dava jeito ser mais rigoroso. Segundo, não há nada de mais disparatado do que afirmar que estas duas editoras são irmãs gémeas. Elas pertencem à mesma empresa, mas são projectos completamente diferentes. Dizer que elas são irmãs gémeas equivale a afirmar que a Dom Quixote é irmã gémea da Gailivro, ou que a Caminho é irmã gemea da Edições Nova Gaia.
Isto é básico, toda a gente o compreende, mas atirar areia para os olhos dá sempre jeito.
Quanto ao resto, respeito a sua opinião.

Cardoso disse...

Rui, antes de mais, obrigado pela visita e pelo contributo.
Em resposta ao seu comentário. Dizer que não é a Quasi que faz a distribuição mas sim a Do Impensável é a mesma coisa que dizer que não é a Civilização (editora) que faz a distribuição mas sim a Américo Fraga Lamares: no fundo é tudo o mesmo e serve aqui para que se perceba mais facilmente do que se está a falar. Em palavas do editor, Jorge Reis-Sá: «Em 2000 a constituição da empresa Do Impensável - Projecto de Atitudes Culturais onde se inseriram as Quasi.»
A designação de gémeas, se me permite, não se pode equivaler ao caso da Dom Quixote e da Gailivro, que foram compradas e incluídas no mesmo grupo. Mas já se pode dizer isso da Asa e da Caderno ou da Oceanos, porque são chancelas que surgem de dentro de uma editora para publicar livros cuja temática não se entende caber na chancela original. Esse é o sentido em que utilizei a expressão «editora gémea», e para o qual deixo aqui também as palavras do editor: «A Editorial Magnólia um projecto novo, que se caracteriza pela edição de obras com pertinência editorial mas editadas para um público mais alargado do que o das Quasi.»
Não me parece que tenha tentado atirar areia para os olhos de ninguém nem sido pouco rigoroso. Talvez apenas tenhamos visões diferentes do assunto dado a diferença de relação que temos com o grupo editorial em causa.
(frases de Jorge Reis-Sá retiradas de uma entrevista publicada aqui: http://blogtailors.blogspot.com/2007/10/jorge-reis-s-o-rosto-principal-das.html)

Nan disse...

AAAAAAAAAAARRRRRRRRRRGGGGGGGHHHHHHHH!«Entre as páginas da Bíblia»?!?!?!?! «Cartão de memória»?!?!?!?!?! É um livro de anedotas, certo?

FuckItAll disse...

Gostei muito de saber que ter vontade de fazer sexo é uma opção, vou tentar não me esquecer.

Mas há uma pergunta que me fica na cabeça: então esta gente antes de ter filhos não jantava?

pedro vieira disse...

jantava, mas nunca rolo de carne

Ana Cristina Leonardo disse...

Mas há uma pergunta que me fica na cabeça: então esta gente antes de ter filhos não jantava?

jantava, mas nunca rolo de carne

- não se ouve desse lado, mas ainda me estou a rir