«O presente livro tem o propósito de fornecer mais um elo para o conhecimento de Fernando Pessoa inserido na sua época e constituir mais uma achega para o percurso do poeta, filósofo, desconstrutor dos universos humanos. O poeta múltiplo que procurava a unidade.
(...)
Fernando Pessoa sempre guardou, com determinação, na célebre arca, todos os seus escritos e as cartas dos familiares e amigos. Apesar das várias deambulações pela cidade de Lisboa, onde a perda de outro tipo de bens nunca o preocupou, cuidou da sua obra e zelou pelo valor afectivo das cartas que lhe dirigiram. Este foi o património que, a par dos livros, sempre o acompanhou nas diversas mudanças, forçadas ou voluntárias. São fontes fidedignas para lhe traçar um perfil. Sem esse precioso espólio, este livro não seria possível.
Para além das cartas, a família conserva outros documentos, manuscritos ou impressos, e objectos vários que, não tendo um valor propriamente literário (salvo raras excepções), podem ter algum valor biográfico. Basicamente, procurei reunir algum material susceptível de interessar os leitores e estudiosos de Fernando Pessoa.»
Quem o diz é Manuela Nogueira, escritora, sobrinha de Fernando Pessoa, no livro Fernando Pessoa - Imagens de uma Vida, editado pela Assírio & Alvim, e que é o motivo de mais uma tertúlia a realizar na Livraria Almedina do Atrium Saldanha, em Lisboa, esta 3ª feira, 29 de Novembro, pelas 19 horas.
Um dia antes da passagem dos 70 anos da morte do autor, revisita-se a sua vida, as suas memórias e as suas palavras num encontro em que a convidada especial é Manuela Nogueira, mas aberto a todos os que gostam de uma boa conversa.
...e também não é por roubar um pássaro ou um livro, que logo dá aos amigos, que o Alba tem as mãos sujas. chartapaciu@gmail.com
segunda-feira, novembro 28, 2005
segunda-feira, novembro 21, 2005
José Cardoso Pires, nos livros e à conversa
Porque terminei há pouco a leitura de O Delfim, aqui ficam algumas pistas para entrar no caminho de José Cardoso Pires.
«Toda a nostalgia, toda a melancolia, todos os chavões normalmente associados ao povo português se encontram no romance, quer no período referente à ditadura, quer no relato do 25 de Abril e na euforia anárquica pós-revolução. Por retratar magistralmente estes três períodos, de uma forma leve mas acutilante, revelando os traços comuns da alma portuguesa, vale a pena ler este romance.»
«Muito para além das considerações ideológicas está o homem. José Cardoso Pires sempre assumiu, de forma transparente e simples, a existência sob a forma da descontracção e da autenticidade. Por esse motivo, terminamos esta breve nótula de homenagem com Cardoso Pires visto por Cardoso Pires, num excerto do auto-retrato Fumar ao espelho:
"Aos cinquenta anos dei por mim a fumar ao espelho e a perguntar E agora, José. Fumar ao espelho, qualquer José sabe isso, é confrontarmo-nos com o nosso rosto mais quotidiano e mais pensado. (...) Aqui tens, José, o homem que te interroga. Que te fuma e te duvida. Que te acredita. E com esta me despeço, adeus, até outro dia, e que a terra nos seja leve por muitos anos e bons neste lugar e nesta companhia. Pá, apaga-me essas rugas. Riscam o espelho, não vês ?"»
«Esta sua "Lisboa" é uma geografia sentimental de sítios. Pelos quais, curiosamente, a sua vida não passa. É por pudor?
Talvez. Mas no meu livro "A Cavalo no Diabo" falo nisso: na Almirante Reis, nos imperadores do Chile, nos bailes, na Lisboa nocturna, a minha vida. Neste livro quis fazer outra coisa: uma espécie de levantamento que desse, com toda a sinceridade, o modo como sinto Lisboa. E é aí que o livro me parece muito diferente da Lisboa convencional do Tejo que é bonito, etc. Há ainda muitas coisas que faltam e que espero trabalhar numa próxima edição: a sintaxe lisboeta. Está abordada, mas não aprofundada. E os cheiros...»
Esta 3ª feira, 22 de Novembro, traz-se de novo à conversa a obra de José Cardoso Pires, na livraria Almedina do Atrium Saldanha, em Lisboa. A partir das 18h30, realiza-se uma tertúlia sobre a obra deste autor português, 80 anos depois do seu nascimento, com a presença dos professores Petar Petrov, Eunice Cabral e Maria Lúcia Lepecki, e de todos aqueles que nela queiram participar.
Boas leituras, boas conversas :)
«Toda a nostalgia, toda a melancolia, todos os chavões normalmente associados ao povo português se encontram no romance, quer no período referente à ditadura, quer no relato do 25 de Abril e na euforia anárquica pós-revolução. Por retratar magistralmente estes três períodos, de uma forma leve mas acutilante, revelando os traços comuns da alma portuguesa, vale a pena ler este romance.»
escreve pns sobre Alexandra Alpha no Citador
«Muito para além das considerações ideológicas está o homem. José Cardoso Pires sempre assumiu, de forma transparente e simples, a existência sob a forma da descontracção e da autenticidade. Por esse motivo, terminamos esta breve nótula de homenagem com Cardoso Pires visto por Cardoso Pires, num excerto do auto-retrato Fumar ao espelho:
"Aos cinquenta anos dei por mim a fumar ao espelho e a perguntar E agora, José. Fumar ao espelho, qualquer José sabe isso, é confrontarmo-nos com o nosso rosto mais quotidiano e mais pensado. (...) Aqui tens, José, o homem que te interroga. Que te fuma e te duvida. Que te acredita. E com esta me despeço, adeus, até outro dia, e que a terra nos seja leve por muitos anos e bons neste lugar e nesta companhia. Pá, apaga-me essas rugas. Riscam o espelho, não vês ?"»
escreve Luís Miguel Oliveira de Barros Cardoso, em José Cardoso Pires: Um Delfim da Escrita Dialéctica e Transparente
«Esta sua "Lisboa" é uma geografia sentimental de sítios. Pelos quais, curiosamente, a sua vida não passa. É por pudor?
Talvez. Mas no meu livro "A Cavalo no Diabo" falo nisso: na Almirante Reis, nos imperadores do Chile, nos bailes, na Lisboa nocturna, a minha vida. Neste livro quis fazer outra coisa: uma espécie de levantamento que desse, com toda a sinceridade, o modo como sinto Lisboa. E é aí que o livro me parece muito diferente da Lisboa convencional do Tejo que é bonito, etc. Há ainda muitas coisas que faltam e que espero trabalhar numa próxima edição: a sintaxe lisboeta. Está abordada, mas não aprofundada. E os cheiros...»
o próprio, sobre Lisboa, Livro de Bordo
Esta 3ª feira, 22 de Novembro, traz-se de novo à conversa a obra de José Cardoso Pires, na livraria Almedina do Atrium Saldanha, em Lisboa. A partir das 18h30, realiza-se uma tertúlia sobre a obra deste autor português, 80 anos depois do seu nascimento, com a presença dos professores Petar Petrov, Eunice Cabral e Maria Lúcia Lepecki, e de todos aqueles que nela queiram participar.
Boas leituras, boas conversas :)
terça-feira, novembro 08, 2005
Lars Saabye Christensen em Lisboa
Lars Saabye Christensen, autor de Herman, está em Lisboa para promover a recente edição portuguesa de Beatles, o seu segundo livro a ser traduzido em Portugal, ambos pela Cavalo de Ferro. O autor estará presente numa sessão de autógrafos na livraria Almedina do Atrium Saldanha, em Lisboa, na próxima 5ª feira, 10 de Novembro, a partir das 18h00.
Originalmente editado em 1984, já foram vendidos mais de 200 mil exemplares de Beatles na Noruega, o país natal do autor.
«Estava deitado à espera que a mãe e o pai se fossem deitar. Se acendesse a luz agora viriam perguntar o que se passava porque conseguiam ver por uma frecha sob a porta a luz acesa. Ouvia a chuva, lá fora, ouvia os comboios a passar a menos de cem metros, entre o meu quarto e a baía de Frogner. Eu sabia perfeitamente para onde iam, mas também não haviam assim tantas linhas por onde escolher. E apesar de não irem para muito longe e de se manterem dentro do país faziam-me sempre pensar em terras distantes, como aquelas suspensas em rolos por cima do quadro da escola, e quando ouvia os comboios pensava em estrelas também, e no Universo, e tudo se esvanecia e eu caía para trás, como que para dentro de mim mesmo, e se eu gritasse vinham a mãe e o pai a correr, e eram como pontinhos pequeninos, lá ao longe, e arrastavam-me de volta. Mas desta vez não gritei. Ouvia os comboios e o zunido do eléctrico a atravessar a Praça Olaf Bull. E misturado com isto tudo estavam as vozes abafadas da mãe e do pai e o rádio sempre ligado e sempre com ópera que me soava tão solitária, mais triste que qualquer outra coisa que eu conhecia, um cantar de outro mundo, um mundo pardo e sem movimento, um cantar frio e morto. E nas paredes à minha volta estavam penduradas fotos de caras que também cantavam, mas não se ouvia um som que fosse, as guitarras e as baterias estavam silenciosas. Rolling Stones, Animals, Dave Clark Five, Hollies, Beatles. Beatles. Fotos dos Beatles. E eu sonhava com Ringo e John e George e Paul. Sonhava que era um deles, que era o Paul McCartney, com a sua cara redonda e olhar melancólico que levava todas as miúdas à berraria descontrolada, sonhava que era canhoto e tocava baixo. Sentei-me de arranque na cama, acordadíssimo. Mas eu sou um deles, pensei em voz alta, e ri. Eu sou um dos Beatles.»
Herman, editado originalmente em 1988, foi adaptado ao cinema em 1990, com realizaçao de Erik Gustavson.
«Aquela que parece ser uma história simples sobre uma criança que vive o seu primeiro drama e sofre a primeira rejeição por parte dos que a rodeiam, é um lúcido ensaio sobre a formação da identidade e as relações da criança em formação com a sociedade.»
Originalmente editado em 1984, já foram vendidos mais de 200 mil exemplares de Beatles na Noruega, o país natal do autor.
«Estava deitado à espera que a mãe e o pai se fossem deitar. Se acendesse a luz agora viriam perguntar o que se passava porque conseguiam ver por uma frecha sob a porta a luz acesa. Ouvia a chuva, lá fora, ouvia os comboios a passar a menos de cem metros, entre o meu quarto e a baía de Frogner. Eu sabia perfeitamente para onde iam, mas também não haviam assim tantas linhas por onde escolher. E apesar de não irem para muito longe e de se manterem dentro do país faziam-me sempre pensar em terras distantes, como aquelas suspensas em rolos por cima do quadro da escola, e quando ouvia os comboios pensava em estrelas também, e no Universo, e tudo se esvanecia e eu caía para trás, como que para dentro de mim mesmo, e se eu gritasse vinham a mãe e o pai a correr, e eram como pontinhos pequeninos, lá ao longe, e arrastavam-me de volta. Mas desta vez não gritei. Ouvia os comboios e o zunido do eléctrico a atravessar a Praça Olaf Bull. E misturado com isto tudo estavam as vozes abafadas da mãe e do pai e o rádio sempre ligado e sempre com ópera que me soava tão solitária, mais triste que qualquer outra coisa que eu conhecia, um cantar de outro mundo, um mundo pardo e sem movimento, um cantar frio e morto. E nas paredes à minha volta estavam penduradas fotos de caras que também cantavam, mas não se ouvia um som que fosse, as guitarras e as baterias estavam silenciosas. Rolling Stones, Animals, Dave Clark Five, Hollies, Beatles. Beatles. Fotos dos Beatles. E eu sonhava com Ringo e John e George e Paul. Sonhava que era um deles, que era o Paul McCartney, com a sua cara redonda e olhar melancólico que levava todas as miúdas à berraria descontrolada, sonhava que era canhoto e tocava baixo. Sentei-me de arranque na cama, acordadíssimo. Mas eu sou um deles, pensei em voz alta, e ri. Eu sou um dos Beatles.»
do Capítulo I
Herman, editado originalmente em 1988, foi adaptado ao cinema em 1990, com realizaçao de Erik Gustavson.
«Aquela que parece ser uma história simples sobre uma criança que vive o seu primeiro drama e sofre a primeira rejeição por parte dos que a rodeiam, é um lúcido ensaio sobre a formação da identidade e as relações da criança em formação com a sociedade.»
da página da Cavalo de Ferro
domingo, novembro 06, 2005
The Complete Calvin and Hobbes
Três volumes em capa dura reunidos numa caixa, 1440 páginas, 3160 tiras, todas as aventuras que Calvin e Hobbes viveram estão agora reunidas num só livro.
Recentemente editado pela Andrews McMeel nos E.U.A., com um preço de capa de 150 dólares, já decorrem as negociações para uma edição portuguesa desta obra monumental.
Acreditamos que não será fácil chegar a um consenso, nomeadamente na decisão do preço de venda em Portugal. Daqui, fazemos votos para que se mantenha a apresentação original, em capa dura, para que estes dois personagens que tanto nos marcaram percam de vez essa característica perene do papel de jornal.
Enquanto isso, a CNN foi à procura de Bill Watterson, mas não foi bem sucedida.
O autor que criou sucessivas aventuras de Calvin & Hobbes durante 10 anos, e publicou a última a 31 de Dezembro de 1995, retirou-se desde essa altura para não mais fazer uma aparição pública.
Ainda assim, nessa reportagem podem encontrar-se várias curiosidades acerca de Watterson, incluindo a história de como o autor seguiu o caminho da Banda Desenhada:
«As a child, Watterson knew he would be an astronaut or a cartoonist. "I kept my options open until seventh grade, but when I stopped understanding math and science, my choice was made," he wrote in the introduction to "The Complete Calvin and Hobbes."»
Recentemente editado pela Andrews McMeel nos E.U.A., com um preço de capa de 150 dólares, já decorrem as negociações para uma edição portuguesa desta obra monumental.
Acreditamos que não será fácil chegar a um consenso, nomeadamente na decisão do preço de venda em Portugal. Daqui, fazemos votos para que se mantenha a apresentação original, em capa dura, para que estes dois personagens que tanto nos marcaram percam de vez essa característica perene do papel de jornal.
Enquanto isso, a CNN foi à procura de Bill Watterson, mas não foi bem sucedida.
O autor que criou sucessivas aventuras de Calvin & Hobbes durante 10 anos, e publicou a última a 31 de Dezembro de 1995, retirou-se desde essa altura para não mais fazer uma aparição pública.
Ainda assim, nessa reportagem podem encontrar-se várias curiosidades acerca de Watterson, incluindo a história de como o autor seguiu o caminho da Banda Desenhada:
«As a child, Watterson knew he would be an astronaut or a cartoonist. "I kept my options open until seventh grade, but when I stopped understanding math and science, my choice was made," he wrote in the introduction to "The Complete Calvin and Hobbes."»
quinta-feira, novembro 03, 2005
The Rough Guide Book of Playlists
Confesso, sou um maníaco por listas. O melhor de, os 10 +, os mais vendidos, os piores, mais ouvidos e mais lidos, top's e etc's, que dizem tudo e acabam por não dizer nada. Mas acho-lhes graça.
Podem até nem traduzir valores ou quantidades, e ser apenas a lista de discos preferidos, os melhores livros, os filmes em que chorei (ou aqueles em que adormeci). Ora, se num só livro (de bolso) juntarmos 500 dessas listas, é o delírio total.
Dos senhores que nos trouxeram o guia das Teorias da Conspiração, os Top 11 de tudo o que tem a ver com o Chelsea FC ou um mapa da Islândia, chega-nos agora o The Rough Guide Book of Playlists.
A ideia por detrás deste livro é a de que a revolução MP3 fez mudar a nossa maneira de ouvir música (e com razão): há bem pouco tempo, em conversa com amigos 10 anos mais novos, incluí-me na geração discman, e continuo a ter o hábito de escolher, antes de sair de casa, um ou dois álbuns para ouvir durante o dia; eles tinham umas máquinas estranhas com o quinto do tamanho para as quais tinham descarregado músicas, e discutiam o tamanho da memória desses aparelhos. Também cresci com o hábito de fazer compilações, mas a ideia final era gravá-las em cassete, e mais tarde em cd, e assim obter um disco, um objecto final e definitivo. Hoje, é tudo mais mutável.
Como todas as ideias se podem converter em livro, surge este guia de listas de músicas, no qual podemos encontrar selecções de canções de centenas de bandas e músicos, as escolhas de músicos convidados e também compilações associadas aos mais estranhos temas, como por exemplo a lista "Book I read", na qual encontramos "Wrapped up in books", dos Belle & Sebastian, e "I am the sub librarian" dos Piano Magic.
Como amostra, fica aqui a playlist que Tom Waits elaborou para publicação neste livro:
- In the Wee Small Hours of the Morning (de Frank Sinatra, do álbum In the Wee Small Hours)
- Dee's Diner (Colonnel Les Claypool's Fearless Flying Frog Brigade, do álbum Purple Onion)
- The Delivery Man (Elvis Costello and The Imposters, do álbum The Delivery Man)
- I Should Care (Thelonious Monk, do álbum Solo Monk)
- I Just Want to See His Face (Rolling Stones, do álbum Exile on Main Street)
- Jesus Blood (Gavin Bryars, do álbum The Sinking of the Titanic)
- Dirty Old Town (The Pogues, do álbum Run Sodomy and the Lash)
- Lucille (Little Richard, do álbum The Specialty Sessions)
- Circling Pigeons Waltz (Texas-Czech, do álbum Bohemian-Moravian Bands)
- Nessun Dorma (Franco Corelli with the Rome Opera Theatre Orchestra & Chorus)
Nota: este artigo, por razões óbvias, tem direito a dupla publicação.
Podem até nem traduzir valores ou quantidades, e ser apenas a lista de discos preferidos, os melhores livros, os filmes em que chorei (ou aqueles em que adormeci). Ora, se num só livro (de bolso) juntarmos 500 dessas listas, é o delírio total.
Dos senhores que nos trouxeram o guia das Teorias da Conspiração, os Top 11 de tudo o que tem a ver com o Chelsea FC ou um mapa da Islândia, chega-nos agora o The Rough Guide Book of Playlists.
A ideia por detrás deste livro é a de que a revolução MP3 fez mudar a nossa maneira de ouvir música (e com razão): há bem pouco tempo, em conversa com amigos 10 anos mais novos, incluí-me na geração discman, e continuo a ter o hábito de escolher, antes de sair de casa, um ou dois álbuns para ouvir durante o dia; eles tinham umas máquinas estranhas com o quinto do tamanho para as quais tinham descarregado músicas, e discutiam o tamanho da memória desses aparelhos. Também cresci com o hábito de fazer compilações, mas a ideia final era gravá-las em cassete, e mais tarde em cd, e assim obter um disco, um objecto final e definitivo. Hoje, é tudo mais mutável.
Como todas as ideias se podem converter em livro, surge este guia de listas de músicas, no qual podemos encontrar selecções de canções de centenas de bandas e músicos, as escolhas de músicos convidados e também compilações associadas aos mais estranhos temas, como por exemplo a lista "Book I read", na qual encontramos "Wrapped up in books", dos Belle & Sebastian, e "I am the sub librarian" dos Piano Magic.
Como amostra, fica aqui a playlist que Tom Waits elaborou para publicação neste livro:
- In the Wee Small Hours of the Morning (de Frank Sinatra, do álbum In the Wee Small Hours)
- Dee's Diner (Colonnel Les Claypool's Fearless Flying Frog Brigade, do álbum Purple Onion)
- The Delivery Man (Elvis Costello and The Imposters, do álbum The Delivery Man)
- I Should Care (Thelonious Monk, do álbum Solo Monk)
- I Just Want to See His Face (Rolling Stones, do álbum Exile on Main Street)
- Jesus Blood (Gavin Bryars, do álbum The Sinking of the Titanic)
- Dirty Old Town (The Pogues, do álbum Run Sodomy and the Lash)
- Lucille (Little Richard, do álbum The Specialty Sessions)
- Circling Pigeons Waltz (Texas-Czech, do álbum Bohemian-Moravian Bands)
- Nessun Dorma (Franco Corelli with the Rome Opera Theatre Orchestra & Chorus)
Nota: este artigo, por razões óbvias, tem direito a dupla publicação.
quarta-feira, novembro 02, 2005
Debate: Eco
Caro Pedro Lobo
Antes de mais, agradeço a sua visita, os seus comentários e a sua recomendação. Mas temo que esta última possa pecar por tardia: li “A Ilha do Dia Antes” há uns tempos atrás. Não estou de acordo quanto à quantificação que propõe: uma obra mais ou menos literária que outra. Não creio que se trate de um adjectivo assim tão mensurável…
Quanto à racionalização: não considero que a literatura se preste a análises qualitativas do género das que propõe. A abordagem que diz fazer de um modo mais subtil poderá impedi-lo de ler Tolkien, toda a ficção científica (que muitas vezes pode assentar em pressupostos narrativos bastante frágeis, com as excepções muito notáveis de Arthur C. Clarke, Isaac Asimov ou Aldous Huxley), a obra romanceada de muitos filósofos (por exemplo, “Assim falou Zaratustra”, de Nietzsche) ou grande parte dos enormes poetas em prosa (Borges, Pessoa, etc.). O holismo, para mim, resulta apenas da leitura que cada um faz de uma obra. Se a ler realmente, tratar-se-á de um processo global. A leitura é muito mais um processo subjectivo, profundamente projectivo, e que, por ser tão introspectivo, redundará sempre em análises diferente para diferentes leitores. Inclusivamente, até para estados de espírito diferentes do mesmo leitor. Fala dos signos literários, mas são precisamente esses que são passíveis de uma maior projecção. Se lhe falarem de um cão, tenho a certeza que imaginará um exemplar do melhor amigo que, todos estaremos de acordo, pertencerá certamente à espécie referida. Mas será que o cão que o amigo Pedro Lobo imagina é igual ao cão que eu ou qualquer outra pessoa imagina de imediato quando indagada (Pequeno? Grande? Rafeiro? Pastor Alemão?). Com os signos literários passar-se-á precisamente o mesmo. Se não fossem susceptíveis, nem signos seriam!
O conteúdo técnico da obra já foi abordado por João Lobo Antunes (Mil Folhas, 4 de Junho de 2005). Para este neurocirurgião e escritor, a amnésia patenteada por Yambo é altamente improvável de acontecer. Sobretudo, num AVC. Por essa razão lhe digo: se procurar técnica, posso relê-la nos vários manuais que já tive que pesquisar para a minha licenciatura. Tratam de neurologia, neuroquímica, neurobiologia, neurofisiologia, neurofisiologia patológica e outros temas próximos. Certamente que não a procurarei num óptimo romance de Umberto Eco.
Como o Pedro Lobo diz, eu digo que gosto da literatura (não encontro essa frase escrita por mim…). Gosto dela por aquilo que ela é. Permite-me viver a vida da leitura enquanto tal, uma vida diferente em cada volume que abro, vida nova e diferente todos os dias e em cada instante que desejar. Quando leio, estou realmente “noutra”…
Agradeço as suas palavras e a sua intervenção
Saudações literárias
Nota: Este artigo vem na sequência da crítica ao livro A Misteriosa Chama da Rainha Loana, publicada a 26/10/05 pelo Pedro, e do comentário deixado nesse artigo por Pedro Lobo.
Antes de mais, agradeço a sua visita, os seus comentários e a sua recomendação. Mas temo que esta última possa pecar por tardia: li “A Ilha do Dia Antes” há uns tempos atrás. Não estou de acordo quanto à quantificação que propõe: uma obra mais ou menos literária que outra. Não creio que se trate de um adjectivo assim tão mensurável…
Quanto à racionalização: não considero que a literatura se preste a análises qualitativas do género das que propõe. A abordagem que diz fazer de um modo mais subtil poderá impedi-lo de ler Tolkien, toda a ficção científica (que muitas vezes pode assentar em pressupostos narrativos bastante frágeis, com as excepções muito notáveis de Arthur C. Clarke, Isaac Asimov ou Aldous Huxley), a obra romanceada de muitos filósofos (por exemplo, “Assim falou Zaratustra”, de Nietzsche) ou grande parte dos enormes poetas em prosa (Borges, Pessoa, etc.). O holismo, para mim, resulta apenas da leitura que cada um faz de uma obra. Se a ler realmente, tratar-se-á de um processo global. A leitura é muito mais um processo subjectivo, profundamente projectivo, e que, por ser tão introspectivo, redundará sempre em análises diferente para diferentes leitores. Inclusivamente, até para estados de espírito diferentes do mesmo leitor. Fala dos signos literários, mas são precisamente esses que são passíveis de uma maior projecção. Se lhe falarem de um cão, tenho a certeza que imaginará um exemplar do melhor amigo que, todos estaremos de acordo, pertencerá certamente à espécie referida. Mas será que o cão que o amigo Pedro Lobo imagina é igual ao cão que eu ou qualquer outra pessoa imagina de imediato quando indagada (Pequeno? Grande? Rafeiro? Pastor Alemão?). Com os signos literários passar-se-á precisamente o mesmo. Se não fossem susceptíveis, nem signos seriam!
O conteúdo técnico da obra já foi abordado por João Lobo Antunes (Mil Folhas, 4 de Junho de 2005). Para este neurocirurgião e escritor, a amnésia patenteada por Yambo é altamente improvável de acontecer. Sobretudo, num AVC. Por essa razão lhe digo: se procurar técnica, posso relê-la nos vários manuais que já tive que pesquisar para a minha licenciatura. Tratam de neurologia, neuroquímica, neurobiologia, neurofisiologia, neurofisiologia patológica e outros temas próximos. Certamente que não a procurarei num óptimo romance de Umberto Eco.
Como o Pedro Lobo diz, eu digo que gosto da literatura (não encontro essa frase escrita por mim…). Gosto dela por aquilo que ela é. Permite-me viver a vida da leitura enquanto tal, uma vida diferente em cada volume que abro, vida nova e diferente todos os dias e em cada instante que desejar. Quando leio, estou realmente “noutra”…
Agradeço as suas palavras e a sua intervenção
Saudações literárias
Nota: Este artigo vem na sequência da crítica ao livro A Misteriosa Chama da Rainha Loana, publicada a 26/10/05 pelo Pedro, e do comentário deixado nesse artigo por Pedro Lobo.
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