Caro Pedro Lobo
Antes de mais, agradeço a sua visita, os seus comentários e a sua recomendação. Mas temo que esta última possa pecar por tardia: li “A Ilha do Dia Antes” há uns tempos atrás. Não estou de acordo quanto à quantificação que propõe: uma obra mais ou menos literária que outra. Não creio que se trate de um adjectivo assim tão mensurável…
Quanto à racionalização: não considero que a literatura se preste a análises qualitativas do género das que propõe. A abordagem que diz fazer de um modo mais subtil poderá impedi-lo de ler Tolkien, toda a ficção científica (que muitas vezes pode assentar em pressupostos narrativos bastante frágeis, com as excepções muito notáveis de Arthur C. Clarke, Isaac Asimov ou Aldous Huxley), a obra romanceada de muitos filósofos (por exemplo, “Assim falou Zaratustra”, de Nietzsche) ou grande parte dos enormes poetas em prosa (Borges, Pessoa, etc.). O holismo, para mim, resulta apenas da leitura que cada um faz de uma obra. Se a ler realmente, tratar-se-á de um processo global. A leitura é muito mais um processo subjectivo, profundamente projectivo, e que, por ser tão introspectivo, redundará sempre em análises diferente para diferentes leitores. Inclusivamente, até para estados de espírito diferentes do mesmo leitor. Fala dos signos literários, mas são precisamente esses que são passíveis de uma maior projecção. Se lhe falarem de um cão, tenho a certeza que imaginará um exemplar do melhor amigo que, todos estaremos de acordo, pertencerá certamente à espécie referida. Mas será que o cão que o amigo Pedro Lobo imagina é igual ao cão que eu ou qualquer outra pessoa imagina de imediato quando indagada (Pequeno? Grande? Rafeiro? Pastor Alemão?). Com os signos literários passar-se-á precisamente o mesmo. Se não fossem susceptíveis, nem signos seriam!
O conteúdo técnico da obra já foi abordado por João Lobo Antunes (Mil Folhas, 4 de Junho de 2005). Para este neurocirurgião e escritor, a amnésia patenteada por Yambo é altamente improvável de acontecer. Sobretudo, num AVC. Por essa razão lhe digo: se procurar técnica, posso relê-la nos vários manuais que já tive que pesquisar para a minha licenciatura. Tratam de neurologia, neuroquímica, neurobiologia, neurofisiologia, neurofisiologia patológica e outros temas próximos. Certamente que não a procurarei num óptimo romance de Umberto Eco.
Como o Pedro Lobo diz, eu digo que gosto da literatura (não encontro essa frase escrita por mim…). Gosto dela por aquilo que ela é. Permite-me viver a vida da leitura enquanto tal, uma vida diferente em cada volume que abro, vida nova e diferente todos os dias e em cada instante que desejar. Quando leio, estou realmente “noutra”…
Agradeço as suas palavras e a sua intervenção
Saudações literárias
Nota: Este artigo vem na sequência da crítica ao livro A Misteriosa Chama da Rainha Loana, publicada a 26/10/05 pelo Pedro, e do comentário deixado nesse artigo por Pedro Lobo.
Sem comentários:
Enviar um comentário