«Ainda não consigo acreditar que este livro está numa livraria. Adoro livrarias. Uma livraria é uma das poucas certezas que temos de que as pessoas ainda pensam. E gosto da forma como separam ficção e não-ficção. Dito de outra forma, dum lado põem as pessoas que estão a mentir e do outro as que não estão a mentir. Era assim que o mundo devia ser.
- Olá, sou o Jerry Seinfeld. Sou ficção.
- Eu sei.
- Como é que sabe?
- Porque eu sou não-ficção.
Também acho as livrarias um laxante maravilhoso. Não sei por que razão. Não sei se é do silêncio ou se é por haver lá tantas coisas para ler, mas quando se entra numa livraria há qualquer coisa que acontece. Acho que deviam tirar alguns corredores e pôr umas casas de banho bonitas para homens e senhoras ao fundo, e então as livrarias passariam a ser um sítio fantástico para se visitar.
Acho que o maior problema das livrarias é terem pouco espaço ao pé das caixas para vender coisas. Devem achar que é a única zona de vendas realmente boa. Devem pensar: «A única maneira de nos livrarmos deste livro é aproveitar quando os clientes têm o dinheiro na mão.» Porque não dão uma caixa registadora a cada empregado e os mandam seguir cada cliente? Quando vissem alguém pegar num livro, iam por trás, abriam a máquina, «cha-ching», e o cliente voltava-se e dizia: «Bem, como já abriu a caixa...»
Acho que o principal concorrente do livro é o vídeo porque, por uma razão qualquer, as pessoas pensam que têm de chegar a casa com um bloco rectangular de uma coisa qualquer, cujo fim desconhecem. A grande vantagem do livro é que é muito fácil de rebobinar. Basta fechá-lo e estamos outra vez no princípio.
Deve ser frustante trabalhar numa livraria. Vêem uma pessoa entrar, passar lá duas horas e sair sem levar nada. Devem ter vontade de explodir - dar um empurrão no cliente, quando sai, e dizer-lhe: «Então, já sabe tudo? Não precisa de nada daqui? Deve haver alguma coisa aqui em que pelo menos esteja interessado. Afinal, porque é que entrou aqui? Não precisamos de si, sabe?»
Afinal, bem vistas as coisas, uma livraria é isso mesmo. É uma loja «mais esperta do que você». E é por isso que as pessoas se sentem intimidadas - porque, para entrarem numa livraria, têm de admitir que há qualquer coisa que não sabem.
E o pior de tudo é que nem sequer sabemos onde é que ela está. Entramos numa livraria e temos de perguntar: «Onde é que está isto? Onde é que está aquilo? Não só me faltam conhecimentos, como não sei onde hei-de ir arranjá-los.» Por isso, ao entrar numa livraria, estamos a admitir perante toda a gente que não somos lá muito espertos.
É impressionante. A sério.»
da introdução do livro Linguagem Seinfeld, de Jerry Seinfeld (trad. Maria do Carmo Figueira), Gradiva, 4ª edição (Lisboa, Julho 2004), nº 1 da colecção «E agora, para algo completamente diferente», 139 pág., pvp: 11€
Diogo, esta é para ti :)
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