domingo, julho 11, 2004

Lá Longe, A Paz. A Guerra em histórias e poemas

Quantas vezes já vimos nos noticiários cenas de guerra, apenas para fazer zapping? Este livro, esta antologia de histórias e poemas centrados na dualidade guerra/paz, oferece uma perspectiva diferente. É um olhar mais directo aos horrores da guerra, geralmente contados na primeira pessoa pelos protagonistas, que são muitas vezes jovens e crianças simplesmente a reagir aos acontecimentos. Um dos exemplos é Serge, um rapazinho judeu que sobrevive aos horrores dos campos de concentração por saber tocar violino (aos músicos era dado tratamento especial nos campos de concentração, por entreterem os guardas), e que corajosamente salva o pai da câmara de gás:

“- Pára! (...) Mendelssohn [compositor judeu] é proibido.
- Proibido? Porquê?
Serge não compreende. Mendelssohn é o seu compositor favorito. A sua música é tão viva, tão cheia de sentimento.
(...)
Incrível. À sua frente está o homem que apenas umas poucas horas antes condenara o pai [à morte] com um único gesto indiferente. (...)
- Toca lá qualquer coisinha.
A distracção! Serge pensa no canal. Saltar ou morrer. Aqui, uma única nota desafinada podia significar o fim.
(...)
- Herr Kramer, se me permite, queria pedir uma coisa – grita Serge (...) – O meu papá... eh... pai é também um bom músico.
- So? Onde está? Qual é o instrumento que toca?
- Na barraca 148, Herr Lagerfuhrer. Esta manhã foi seleccionado [para a câmara de gás] e levado pelo Sonderkommando. É um excelente pianista.
- Hmmm... Piano. Vamos a ver.”


(em A Orquestra, de Roger Vanhoeck)

O poema seguinte revela a sensação estranha da paz depois de muitos anos de guerra:

“Recebemos heróis à hora do chá
juntos estavam sentados no sofá
não tinham conversa
nenhuma, eu pus-me a olhar a olhar
Até que ficaram envergonhados
Não sabiam o que haviam de fazer
Com uma paz assim.”


(1945, de Judith Herberg)

Esta antologia é composta por vários autores nacionais, nomeadamente Ilse Losa, Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner Andersen, Sérgio Godinho e Alice Vieira, entre outros, além de vários textos de autores estrangeiros muito bem traduzidos. É essencialmente um livro que nos faz reflectir, histórias que mostram os sofrimento provocado pela guerra a pessoas como nós, que felizmente nunca tivemos acesso a essa realidade.


Lá Longe, a Paz. A guerra em histórias e poemas”; Antologia organizada por Manuela Fonseca e Irene Koenders, Annemie Leysen, Carol Fox; Edições Afrontamento, Lda; 2001; 323 págs.

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