Informação
"Há já catorze anos que está sentado à entrada de um postigo. As pessoas só lhe dirigem dois tipos de perguntas.
- Onde ficam os escritórios da Montex?
Ele responde:
- Primeiro andar, à esquerda.
A segunda pergunta é:
- Onde fica a Empresa Transformadora dos Desperdícios de Resinas?
A esta ele responde:
- Segundo andar, segunda porta à direita.
Há catorze anos que nunca se engana, toda a gente tem recebido a informação correcta. Uma vez, porém aconteceu que uma senhora se dirigiu ao postigo e lhe fez uma das perguntas habituais:
- Pode fazer o favor de me dizer onde é a Montex?
E ele, nessa única vez, alongou os olhos e disse assim:
- Todos nós vimos do nada e à merda do nada vamos voltar.
A senhora apresentou queixa. A queixa foi examinada, discutida e depois arquivada.
E de facto, não era assim tão grave."
Contos de 1 minuto (Vol. 1), de István Örkény (tradução de Piroska Felkai), 1ª edição (2004), Cavalo de Ferro, 155 págs., pvp: 15€
Durante a minha incessante busca e descoberta da literatura húngara (que não é assim tão escassa, traduzida para português), dei por mim a esperar 12 longos e exasperantes meses pela edição deste livro. A Ficções deu mais uma facadinha na angústia com a publicação de um dos contos no Ficções de Comer. Mas a espera valeu a pena. Sendo uma colectânea de contos, é difícil descrever o livro como um todo. Örkeny salta do simples para o absurdo, do grotesco para o romântico, havendo apenas dois pontos em comum nas suas histórias: um é a ausência de "moral da história"; o outro é a fantástica capacidade de deixar o leitor a pensar "mas o que é que ele quis dizer com isto?". A sua escrita deixa margem de manobra para o leitor tirar as suas próprias conclusões. Este, se estiver "desatento" vai dar por si a divagar mentalmente, por horas a fio. Sim, porque, de um minuto, estes contos têm apenas a sua leitura.
Os nossos filhos
"Era uma vez uma viúva velhinha e essa viúva tinha dois belos filhos. Um, o mais velho, empregou-se num navio cuja primeira viagem o levou ao Oceano Pacífico. O que lhe aconteceu, ninguém pode dizer, porque desapareceu no mar sem deixar vestígios.
O mais novo ficou em casa. Mas uma vez, quando a sua mãe o mandou comprar vermicida (a farmácia, que é a sétima casa a seguir à sua), nunca mais voltou. Também ele desapareceu para sempre.
Esta é a realidade dos factos. Mas nos contos as viúvas costumam ter três filhos. É sempre o terceiro que consegue o seu lugar ao sol."
...e também não é por roubar um pássaro ou um livro, que logo dá aos amigos, que o Alba tem as mãos sujas. chartapaciu@gmail.com
segunda-feira, novembro 29, 2004
sábado, novembro 20, 2004
ROSA DO MUNDO - 2001 poemas para o futuro
(Mito da criação)
No princípio existia uma enorme gota de leite.
Então chegou Doondari e criou a pedra.
A pedra criou o ferro;
E o ferro criou o fogo;
E o fogo criou a água;
E a água criou o ar.
Então Doondari desceu pela segunda vez.
Juntou os cinco elementos
E moldou-os num homem,
Mas o homem era orgulhoso.
Então Doondari criou a cegueira e a cegueira derrotou o homem.
Mas quando a cegueira se tornou demasiado orgulhosa,
Doondari criou o sono, e o sono derrotou a cegueira;
Mas quando o sono se tornou demasiado orgulhoso,
Doondari criou a preocupação, e a preocupação derrotou o sono;
Mas quando a preocupação se tornou demasiado orgulhosa,
Doondari criou a morte, e a morte derrotou a preocupação.
Quando a morte se tornou demasiado orgulhosa,
Doondari desceu pela terceira vez.
E ele veio como Gueno, o Eterno,
E Gueno derrotou a morte.
No princípio existia uma enorme gota de leite.
Então chegou Doondari e criou a pedra.
A pedra criou o ferro;
E o ferro criou o fogo;
E o fogo criou a água;
E a água criou o ar.
Então Doondari desceu pela segunda vez.
Juntou os cinco elementos
E moldou-os num homem,
Mas o homem era orgulhoso.
Então Doondari criou a cegueira e a cegueira derrotou o homem.
Mas quando a cegueira se tornou demasiado orgulhosa,
Doondari criou o sono, e o sono derrotou a cegueira;
Mas quando o sono se tornou demasiado orgulhoso,
Doondari criou a preocupação, e a preocupação derrotou o sono;
Mas quando a preocupação se tornou demasiado orgulhosa,
Doondari criou a morte, e a morte derrotou a preocupação.
Quando a morte se tornou demasiado orgulhosa,
Doondari desceu pela terceira vez.
E ele veio como Gueno, o Eterno,
E Gueno derrotou a morte.
trad. Vasco David
Objecto de desejo claro está, até porque tão monumental obra tem um preço condizente. Mas para quem nunca tenha concretizado essa vontade, aqui fica a sugestão: só até ao final do ano, a Assírio & Alvim disponibiliza estas 1919 páginas de viagens e sonhos por 35€, menos 20€ que o preço de venda ao público habitual.
Venham eles, os sonhos, e as descobertas.
TESTAMENTO
Após a morte de Deus
abriremos o testamento
para saber
a quem pertence o mundo
e aquela grande armadilha
de homens.
Ewa Lipska (Polónia), trad. Aleksandar Jovanovic
sábado, novembro 06, 2004
a mão que faz o livro
"- (...) Ao princípio trabalhava com planos muito detalhados e agora não. Agora é a mão que faz o livro. Por exemplo, para escrever aquelas crónicas de jornal, quando me sento não sei o que vou escrever, escrevo a primeira palavra e depois as palavras geram-se umas às outras. Ao princípio sim, fazia planos e esquemas, tinha de ter uma ideia, e agora não.
- O que mudou?
- Não tinha ainda percebido que o livro é uma entidade independente de si e que tem as suas leis próprias e que é um organismo vivo, não depende de um acto voluntário seu. É qualquer coisa que nasce de uma zona que não sabe se é sua, se é de outra pessoa, de quem é, e que não lhe pertence. Isto por um lado também é bom porque elimina toda a vaidade que possa existir."
entrevista de Paula Macedo, foto de João Barata, em A Capital, de 04/11/04
- O que mudou?
- Não tinha ainda percebido que o livro é uma entidade independente de si e que tem as suas leis próprias e que é um organismo vivo, não depende de um acto voluntário seu. É qualquer coisa que nasce de uma zona que não sabe se é sua, se é de outra pessoa, de quem é, e que não lhe pertence. Isto por um lado também é bom porque elimina toda a vaidade que possa existir."
entrevista de Paula Macedo, foto de João Barata, em A Capital, de 04/11/04
sexta-feira, novembro 05, 2004
"Eu Hei-de Amar Uma Pedra"
Na próxima 3ª feira (9/11) é posto à venda o mais recente livro de António Lobo Antunes, pela editora Dom Quixote. A acompanhar este lançamento chegará também às livrarias uma fotobiografia do autor, assim como 4 novas edições definitivas (ne varietur) de livros já publicados.
A menos de uma semana de distância, o espanto. Na capa de "A Capital" de ontem, 5ª feira, uma grande fotografia de António Lobo Antunes e o anúncio da "primeira grande entrevista" do autor antes da publicação de "Eu Hei-de Amar Uma Pedra". Até dia 9, pilham-se aqui as suas palavras.
"- Este livro tem um lado cubista, tenta mostrar as perspectivas todas. Concorda?
- Não li o livro, só escrevi e portanto a minha opinião nunca é a opinião de um leitor, não tem distância. Eu também não leio os livros. No fundo é um paradoxo: escrevo os livros que gostaria de ler e acabo por não os ler. Quando acabo um livro, quero é esquecê-lo para fazer outro. Nunca li um livro antigo. Nunca.
(...) não posso dizer muito bem que sou o autor dos livros, parece que eles estavam ali à espera. É como a gente meter a mão num saco às cegas e aparece qualquer coisa, as palavras são tiradas do fundo de um poço, uma a uma."
entrevista de Paula Macedo, fotos de João Barata, em A Capital 04/11/04
A menos de uma semana de distância, o espanto. Na capa de "A Capital" de ontem, 5ª feira, uma grande fotografia de António Lobo Antunes e o anúncio da "primeira grande entrevista" do autor antes da publicação de "Eu Hei-de Amar Uma Pedra". Até dia 9, pilham-se aqui as suas palavras.
"- Este livro tem um lado cubista, tenta mostrar as perspectivas todas. Concorda?
- Não li o livro, só escrevi e portanto a minha opinião nunca é a opinião de um leitor, não tem distância. Eu também não leio os livros. No fundo é um paradoxo: escrevo os livros que gostaria de ler e acabo por não os ler. Quando acabo um livro, quero é esquecê-lo para fazer outro. Nunca li um livro antigo. Nunca.
(...) não posso dizer muito bem que sou o autor dos livros, parece que eles estavam ali à espera. É como a gente meter a mão num saco às cegas e aparece qualquer coisa, as palavras são tiradas do fundo de um poço, uma a uma."
entrevista de Paula Macedo, fotos de João Barata, em A Capital 04/11/04
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