sábado, fevereiro 11, 2006

Apresentação da Noite - Al Berto

- é noite
- dentro do meu coração de papel

- é noite
- dissolve-se um desastre um inesperado suicídio

- é noite por cima do mar redondo

- é noite
- em redor da memória que me dá sede

- é noite
- calemo-nos um momento

- calemo-nos

- calemo-nos todos
- vai chegar o inverno
- acendamos as luzes e olhemo-nos como fazem determinadas flores ao morrer do dia
- dobram-se para dentro da seiva e cismam
- um sono de ave que só a elas pertence

- esqueçamos também o tempo
- que se ilumine o coral e se abram de par em par as pálpebras exaustas do medo
- são horas de alucinação

- horas de janelas abertas
- horas amor
- de fingir que nos amámos
de Al Berto

Apresentação da Noite foi originalmente publicada em 1985, "incluída no volume de textos para teatro Novos Autores, nº 32 da colecção Repertório da Sociedade Portuguesa de Autores", nos 60 anos dessa cooperativa. Foi representada pela primeira vez no dia 25 de Fevereiro de 1985, no Auditório Frederico Freitas. E chegou esta semana novamente às livrarias, pela mão da Assírio & Alvim.

«Apresentação da Noite nasceu, a um dado momento, da necessidade de tornar audível esse silêncio onde se perde todo e qualquer desejo de escrever.»
diz Al Berto, na introdução

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Montra: semana 06/06 - parte 2

«If you want to read what is absolutely, certainly true about Mozart, this book may be a disappointment, because the story of what has happened to him since his death has irretrievably coloured that simple tale. But at the moment that marks a quarter of millenium since Mozart was born, the most we can do, given the infinite variety of possibilities in his music, is to provide some context - to help us hear Mozart's music freshly, and make of it what we will. Each listener will have a different reaction, just as every performer reinterprets him: here are some guides around that amazing output; from them, create your own Mozart.»
pág.4

«Mozart is like a mistress who is always serious and often sad, but whose very sadness is a fascination, discovering ever deeper springs of love.»
Stendhal (pág. 15)

The Faber Pocket Guide to Mozart, de Nicholas Kenyon, editado pela Faber & Faber em Setembro de 2005.


«- Parece-me que o senhor não percebeu mas acontece que não me apetece falar consigo.
- Porquê? - perguntou o desconhecido, num tom desenvolto.
- Porque estou a ler.
- Não está, não.
- Desculpe?
- O senhor não está a ler. Talvez pense que está a ler mas leitura não é isso.
- Oiça, não me apetece mesmo nada ouvir considerações profundas acerca da leitura. O senhor irrita-me. Mesmo que não estivesse a ler, não ia querer falar consigo.
- Vê-se logo quando alguém está a ler. As pessoas que lêem, que lêem a sério, não estão aqui. E o senhor está aqui.
- Nem imagina como lamento estar aqui! Sobretudo desde que o senhor apareceu.
- Pois é, a vida é cheia destes pequenos desacertos que a tornam complicada. Mais do que os problemas metafísicos, são as contrariedades insignificantes que marcam o absurdo da existência.»
págs. 9 e 10

A Cosmética do Inimigo (Cosmétique de l'ennemi), de Amélie Nothomb (trad. Fernanda Barão), editado pela Bizâncio em Maio de 2002.


«Que brando jeito aquele: como se sorrisse perante a agitação, a fantasia, a loucura e a graça de um grupo de crianças que brinca. Mas do que eu gostava sobretudo era da repousada segurança com que Teresinha cruzava as mãos sobre o vestido; ali, conversando e ouvindo as outras, e as mãos cruzadas, descansando uma na outra, como se apenas em si mesmas pudessem repousar.
Como nos conhecíamos de um ou dois domingos em que a tinha esperado com Carlinhos, fazia-lhe um cumprimento e passava. As outras tinham quase sempre um ar que se ligava ao da manhã, mais parado e melancólico nos de chuvinha e nevoeiro ou a um tempo arrepiado e vivo naquele agudo frio de céu azul que o Porto dá às vezes. Mas as mais bonitas para as ver eram as manhãs de Abril: não por elas, devo dizer; mas porque me davam um excelente fundo de lembrança que me tornava mais alegre e audacioso o voo riscado das andorinhas sobre o céu. Mulher complica a vida da gente, não é? O que não sucede com as andorinhas.»
págs. 50 e 51

Herta Teresinha Joan, de Agostinho da Silva, editado pela Cotovia em Maio de 1990.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Montra: semana 06/06

Segunda semana de montra, com um dia de atraso e incompleta.

PERDIDO NUM LIVRO

«Entrei pela porta de um livro e fechei-me lá dentro com as palavras acesas e as luzes apagadas. A minha mãe deu dez voltas à casa à minha procura. "Onde é que o miúdo se terá metido?" Com medo de ser encontrado, eu saltava das páginas pares para as ímpares e enrodilhava-me, feito bicho-de-conta, entre dois parêntesis ou, por ser muito magro, atrás de um ponto de exclamação.
Era a primeira vez na minha vida que eu me fechava dentro de um livro. Antes já me fechara dentro de um armário, na gaveta de uma cómoda, no sótão e na despensa. Agora, afoito e insensato, dava um passo de gigante no meu aventuroso destino de menino dos assombros, e escondia-me dentro de um livro, disposto a permanecer ali o tempo que fosse necessário até a minha mãe desistir de me procurar e até todos me darem definitiva e irremediavelmente como desparecido.
(...)»
de José Jorge Letria

Antologia do Conto Português Contemporâneo (edição bilingue Português-Búlgaro) / Антология на съвременния португалски разказ, organizado por Petar Petrov, editado pela Five Plus / Пет плюс.


«O papá é livreiro. Adora os livros. Devora-os. É um verdadeiro ogre. Passa todo o dia a ler e às vezes toda a noite. É uma doença incurável, mas que não parece preocupar o nosso médico de família.
Todas as noites, uma nova pilha de livros desembarca lá em casa. Há livros por toda a parte, até nas casas de banho. É uma invasão. Impossível reclamar. Com o papá, os invasores têm sempre razão. Fala com eles como se fossem seres humanos. Inventa nomes para eles e trata-os por «os meus livrinhos». Todos os livros são seus amigos.
Eu não tenho amigos. E não gosto de livros. Por fora, sou parecido com o papá. Mas por dentro, somos dois estranhos.
(...)»
págs. 7 e 8

O bebedor de tinta (Le buveur d'encre), de Éric Sanvoisin e Martin Matje (traduzido por Sofia Empis), editado pela Dinalivro.


HARMÓNICA

«Um músico italiano (ele era da Sicília) escreveu algumas óperas belíssimas: "O Corsário", inspirada num poema de Byron, "A Sonâmbula", etc. Certo dia disse aos amigos:
"Ainda hei-de escrever uma ópera que nos lembre a estupidez e a crueldade humanas." Logo na abertura, o conseguiu. Tinha menos de 30 anos.
Mas que distância há entre um rapaz desses e o nosso repetido Lopes Graça!
Vou comprar outra gaita de beiços. Rádios, nunca mais. Avariam-se todos, pá.»
pág. 146

Hoje e sempre, Sebastião Alba.

Albas, de Sebastião Alba, editado pela Quasi em Outubro de 2003.


«(...)
O sorriso que devassou brevemente o meu rosto não
me pertenceu: porque ninguém o viu antes de ti,
nem o espelho se convenceu jamais a devolver-mo.

(...)
Tu não me pertenceste - e, se uma vez acreditei que
acontecias dentro do meu corpo, das outras vi-te a abraçar a
solidão com tanto ardor que concluí ser a memória quem
te mantinha vivo. (...)»
pág. 63

O Canto do Vento nos Ciprestes, de Maria do Rosário Pedreira, foi editado pela Gótica em Março de 2001.

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Zapping: Penguin Most Wanted: Crime

A página da Penguin dedicada à literatura policial.

«Crimewriting Rules, OK…
Part one.


One of the problems writers of crime fiction must deal with is that to speak of ‘crime writers’ – or ‘romantic novelists’ or ‘writers of science fiction’ or, simply, ‘genre’ – hints at limitation. And all too often, this limitation is thought to lie in the general assumption (which is generally true) that crime fiction’s main purpose is to entertain.

All fiction seeks to be entertaining, I suppose, but there’s a distinct notion that genre fiction stops there: that entertainment is its be-all. The larger problem is that because crime fiction is sometimes thought of in this way, it’s easy for the best in the genre to be judged – in general terms – by the standards of the worst. In truth, of course, ‘crime-writer’ no more sums up the individual novelist in terms of ability than the term ‘suburban housewife’ tells us all we need to know about the hidden lives of millions of women.
(...)»
por David Lawrence